20.04.2020 – É difícil falar de algo tão vergonhoso, escrachante, achincalhante… triste… simplesmente triste. Passei a tomar ciência do tema ao receber um vídeo, cuja foto inicial segue acima, supostamente circulado por um deputado federal, acerca de uma reportagem da TV Globo.

Esse artigo não é, nem tem o propósito de ser político, de esquerda ou de direita, mas de tratar fática e tecnicamente o tema da fraude à licitação, a qual poderá ser questionada por alguns, já que em razão da situação emergencial devido à pandemia causada pela Covid-19, a licitação poderia ser dispensada.

Independente ou não da licitação ser dispensada, é inadmissível que o poder público não estabeleça os mínimos critérios para evitar fatos como o que serão doravante narrados.

Pressionado pela iminência do colapso na saúde pública e, mesmo privada, o Estado do Rio de Janeiro foi obrigado a solicitar propostas de possíveis interessados em construir e administrar 6 hospitais de campanha no Maracanã, Duque de Caxias, São Gonçalo, Nova Iguaçu, Campos e Casimiro de Abreu.

Algumas empresas apresentaram propostas… E aqui começa uma narrativa de fatos estarrecedores, que nos levam ao questionamento se, de fato, isso é real… de tão absurdo!

Primeiramente, duas das proponentes (Épico Eventos de Belo Horizonte-MG e Corporate Events do Rio de Janeiro-RJ) apresentaram propostas com texto idêntico, propondo inclusive hospitais de campanha com os mesmos 137 leitos, com a mesma metragem. Apenas os valores possuíam divergência, sendo uma no valor de R$ 24 milhões (Épico) e outra no valor de R$ 25,5 milhões (Corporate)

Ao serem procuradas pela reportagem do grupo Globo, a Épico Eventos já não se encontrava mais no endereço citado em Belo Horizonte. Insistindo em contatar a sócia Flávia Gontijo, essa afirmou jamais ter feito qualquer proposta e que, até hoje, jamais fizera proposta acima de R$ 1 milhão. Quanto à Corporate, possuía 2 endereços no Rio, sendo que um deles era uma residência e os moradores desconheciam por completo a empresa e o segundo endereço era em um prédio comercial, mas ninguém lá se encontrava. Insistindo, a reportagem conseguiu contato com o sócio da Corporate – Fernando José de Oliveira, o qual assumiu ter feito a proposta.

Uma terceira empresa chamada Clube de Produção, enviou uma outra proposta para a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. O endereço da sua sede foi identificado como sendo em uma vila de casas na zona norte do Rio de Janeiro, não sendo encontrado qualquer representante da instituição. A reportagem localizou então o responsável pela empresa Luiz Cláudio Costa Duarte, conforme constava a sua assinatura na proposta, mas o mesmo negou fazer parte da instituição, alegando ser professor; contrariando os documentos com a sua assinatura.

Após todos os imbróglios acima, uma outra instituição foi a escolhida para construir e administrar os 6 hospitais de campanha no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se do IABAS – Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde, que, por sinal, está proibido de contratar com a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, por envolvimento em irregularidades. O valor do contrato emergencial firmado é de R$ 835 milhões e foi assinado pelo sub-secretário de saúde do Estado do Rio de Janeiro – Gabriell Neves, o qual já foi igualmente afastado por suspeita de má-conduta.

Como vimos no início desse artigo, o custo para a construção de um hospital de campanha de 137 leitos no Estado do Rio, custaria aos cofres públicos estaduais ao redor de R$ 25 milhões. Na cidade de São Paulo, o Governo estadual construiu 2 hospitais de campanha, sendo um no Pacaembu com 200 leitos e outro no Anhembi, com 867 leitos, a um custo total de R$ 8 milhões.

O texto acima determina que apenas pela construção dos 6 hospitais de campanha, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, gastaria ao redor de R$ 150 milhões, contra R$ 24 milhões supostamente a serem gastos pelo Estado de São Paulo, se fossem construídos 6 hospitais de campanha, no mesmo patamar de gastos utilizados nos 2 primeiros hospitais… e com uma quantidade de leitos indiscutivelmente maior no território paulista.

Em qualquer empresa séria no Brasil, qualquer contratação nesse patamar de valores seria precedida de due diligences para precaver-se de irregularidades.

No setor público, a Administração Pública está regida pelo Princípio da Reserva Legal, significando dizer que o servidor público diferentemente dos demais, que estão regidos pelo Princípio da Legalidade (“Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei”), só podem fazer o que a lei lhes autorizar a fazer; não podendo fazer algo valendo-se da omissão da lei.

Ainda assim, isso não é desculpa para, mesmo em uma hipótese de dispensa de licitação, em situação emergencial, deixar a autoridade de exercer a mínima cautela na avaliação dos seus contratantes, afinal, não estamos falando de R$ 8 mil reais, mas de pouco mais de R$ 800 milhões de reais.

Obviamente, seria de bom tom o estabelecimento de normas mínimas de diligência prévia, mesmo em caso de dispensa de licitação.

O Brasil possui leis, como, por exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa – 8.429/92 , a Lei de Licitações – 8.666/93 e a Lei Anticorrupção – 12.846/13 que trata também de fraudes à licitação. Infelizmente, falta-nos aplicá-las de modo eficaz, com rapidez, protegendo o erário de ser dilapidado de maneira vil e predatória como a narrada acima.

Por todas as mazelas que a população do Estado do Rio de Janeiro tem vivido nos últimos 20 anos e por todos os desvios que levaram os cofres públicos do Estado a uma situação calamitosa como a atual, é um acinte que isso ocorra no atual momento.

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