19.05.2023 – Embora o tema do momento seja ESG (acrônimo de Environmental, Social and Governance), que muitos ainda desconhecem, poucos tem ciência do documento “Guiding Principles on Business and Human Rights“, lançado em 2011 pelas Nações Unidas e que, ainda hoje, influencia inúmeras leis por diversos países do mundo.

Esse artigo se propõe a detalhar o conteúdo desse documento.

O ESTADO DEVE PROTEGER OS DIREITOS HUMANOS

O documento inicia com o orientação de que o Estado deve proteger os direitos humanos e estabelece o primeiro princípio fundamental:

1. Os Estados devem proteger contra o abuso dos direitos humanos dentro de seu território e/ou jurisdição por terceiros, incluindo empresas. Isso requer a adoção de medidas apropriadas para prevenir, investigar, punir e reparar tais abusos por meio de políticas, legislação, regulamentos e decisões judiciais eficazes.

Portanto, a ação ou omissão do Estado na proteção dos direitos humanos é uma violação a esse princípio. A seguir, o documento enumera o segundo e último princípio fundamental:

2. Os Estados devem estabelecer claramente a expectativa de que todas as empresas domiciliadas em seu território e/ou jurisdição respeitem os direitos humanos em todas as suas operações.

Com respeito a esse segundo princípio, o Brasil possui uma constituição federal razoavelmente abrangente que estabelece direitos fundamentais, direitos sociais e direitos trabalhistas. Embora existam as regras escritas, a questão é se o Estado dispõe de recursos e ferramentas suficientes para garantir o cumprimento do mesmo.

Ainda dentro do seu dever de proteger os direitos humanos, o Estado deve observar os seguintes princípios operacionais, sendo o primeiro deles o o seguinte:

1. (a) Fazer cumprir as leis que visam ou têm o efeito de exigir que as empresas respeitem os direitos humanos e, periodicamente, avaliar adequação de tais leis e corrigir quaisquer lacunas; (b) Assegurar que outras leis e políticas que regem a criação e operação contínua de empresas comerciais, como a lei societária, não restrinjam, mas permitam que as empresas respeitem os direitos humanos; (c) Fornecer orientação eficaz às empresas sobre como respeitar os direitos humanos em todas as suas operações; (d) Incentivar e, quando apropriado, exigir que as empresas comuniquem como lidam com seus impactos sobre os direitos humanos.

O Brasil, além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tem dado inúmeras evidências de incentivo à questão dos direitos humanos, como por exemplo, a Lei 11.770/2008, que permitiu às empresas estenderem o salário maternidade por mais sessenta dias, além dos cento e vinte já garantidos para as funcionárias gestantes, desde que houvessem aderido ao Programa Empresa Cidadã. A questão que se impõe é se o Estado dispõe de recursos humanos, financeiros e programáticos para estabelecer o controle adequado na garantia de que os direitos humanos estejam sendo respeitados.

Aliás, compete, especialmente, às maiores corporações estabelecer políticas internas que assegurem tais direitos no curso dos seus negócios.

E a seguir, vem o segundo princípio operacional:

2. Os Estados devem tomar medidas adicionais para proteger contra abusos os direitos humanos por empresas de propriedade ou controladas pelo Estado, ou que recebam apoio e serviços substanciais de agências estatais, como agências de crédito à exportação e seguro de investimento oficial ou agências de garantia, incluindo, quando apropriado, exigindo a due diligence em direitos humanos.

Para esse princípio operacional, existe uma lacuna ainda considerável a ser preenchida pelo legislador brasileiro, com normas direcionadas para as pessoas jurídicas de direito público na administração pública direta e indireta e para as pessoas jurídicas de direito privado na administração indireta. Por outro lado, existem normas direcionadas para financiamento de projetos com organizações não governamentais (ONGs), por meio de contratos de gestão e com organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), por meio dos termos de parceria, onde a questão dos direitos humanos encontra guarida e serve como propósito.

Em seguida, vem o terceiro princípio operacional:

3. Os Estados devem exercer supervisão adequada para cumprir suas obrigações internacionais de direitos humanos quando contratam ou legislam para que empresas comerciais forneçam serviços que possam afetar o gozo dos direitos humanos.

Novamente, com respeito a esse princípio, existe uma lacuna para a implementação de mecanismos específicos de monitoramento com respeito às questões relacionadas a direitos humanos. E o documento traz, então, o quarto princípio operacional:

4. Os Estados devem promover o respeito pelos direitos humanos por parte das
empresas com as quais realizam transações comerciais.

Portanto, contratos firmados com empresas estrangeiras pelo Estado devem ter cláusulas que assegurem o respeito a tais direitos humanos, assim como tratados e convenções devem levar tal prerrogativa em consideração. Vem, então, o quinto princípio operacional:

5. Como o risco de graves abusos dos direitos humanos é maior em áreas afetadas por conflitos, os Estados devem ajudar a garantir que as empresas que operam nesses contextos não estejam envolvidas com tais abusos, inclusive por: (a) Envolver-se o mais cedo possível com as empresas para ajudá-las a identificar, prevenir e mitigar os riscos relacionados aos direitos humanos de suas atividades e relações comerciais;(b) Fornecer assistência adequada às empresas para avaliar e abordar os riscos elevados de abusos, prestando atenção especial tanto à violência baseada em gênero quanto à violência sexual; (c) Negar o acesso a apoio e serviços públicos para uma empresa que está envolvida em graves abusos dos direitos humanos e se recusa a cooperar para lidar com a situação; (d) Assegurar que suas políticas, legislação, regulamentos e medidas de execução atuais sejam eficazes para lidar com o risco de envolvimento de negócios em graves abusos de direitos humanos.

O Brasil é um país assaz desigual no que diz respeito à distribuição de empresas e à facilidade de emprego formal. Enquanto as regiões sudeste e o sul possuem a maior concentração de empresas, centro-oeste, nordeste e norte possuem um número consideravelmente limitado de grandes empresas, sendo que muitas cidades praticamente dependem de recursos da Administração Pública, ao pagar os salários de seu funcionalismo. Além disso, o Brasil apesar de não estar em guerra ou em conflito armado com outro país, possui áreas endêmicas afetadas pela violência desenfreada, estabelecendo um verdadeiro Estado paralelo, cujas políticas públicas de segurança não têm sido capazes de resolver, e, por vezes, sequer de mitigar.

Embora o Brasil tenha avançado ao exigir ou incentivar a criação de programas de compliance para empresas em leis como a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) ou a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não há ainda nada focado como, por exemplo, a exigência direcionada às grandes e médias empresas para que criem políticas antiassédio.

E passamos ao sexto princípio operacional:

6. Os Estados devem garantir que os departamentos governamentais, agências e outras instituições estatais que moldam as práticas comerciais estejam cientes e observem as obrigações do Estado em relação aos direitos humanos ao cumprir seus respectivos mandatos, inclusive fornecendo-lhes informações, treinamento e apoio relevantes.

Devido às mudanças de governo no Brasil, o número e a função dos ministérios nesse país sofrem constante alteração. Um exemplo é que no governo de Jair Messias Bolsonaro, o Brasil possuía, dentre outros, o Ministério da Cidadania e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ao passo que no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, aqueles órgãos deixaram de existir, substituídos pelo Ministério das Mulheres, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e Ministério dos Povos Indígenas.

Entretanto, a existência de tais Ministérios, por si só, não atende aos preceitos acima descritos, já que não há políticas de Estado eficientes o bastante para fornecer informações, treinamento e apoio relevantes com respeito a direitos humanos. Vem, então, o sétimo princípio operacional:

7. Os Estados devem manter espaço político interno adequado para cumprir suas obrigações de direitos humanos ao perseguir objetivos políticos relacionados a negócios com outros Estados ou empresas, por exemplo, por meio de tratados ou contratos de investimento.

Independentemente de acordos bilaterais ou multilaterais, como é o caso do Mercosul, por exemplo, o Brasil, assim como os demais países, partes desse acordo, não devem permitir que as decisões resultantes interfiram na capacidade interna de garantir políticas públicas de fomento à proteção dos direitos humanos no ambiente corporativo ou fora dele. Vem, então, o oitavo princípio operacional.

8. Os Estados, quando na qualidade de membros de instituições multilaterais que tratem com questões relacionadas aos negócios, devem: (a) Procurar garantir que essas instituições não restrinjam a capacidade de seus Estados membros de cumprir seu dever de proteger nem impeçam as empresas de respeitar os direitos humanos; b) Incentivar essas instituições, dentro de seus respectivos mandatos e capacidades, a promover o respeito empresarial pelos direitos humanos e, quando solicitado, a ajudar os Estados a cumprir seu dever de proteger contra o abuso dos direitos humanos por empresas, inclusive por meio de assistência técnica, capacitação e sensibilização; (c) Basear-se nestes Princípios Orientadores para promover o entendimento compartilhado e promover a cooperação internacional na gestão dos desafios de negócios e direitos humanos.

Os Estados participantes de instituições multilaterais, dentre eles o Brasil, devem promover o respeito empresarial pelos direitos humanos, seja por meio de informações, treinamento e programas de fomento à proteção dos direitos humanos.

A RESPONSABILIDADE CORPORATIVA DE RESPEITAR OS DIREITOS HUMANOS

O documento inicia uma segunda seção sobre a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos.

Para tanto, inicia com o primeiro princípio fundamental:

1. As empresas devem respeitar os direitos humanos. Isso significa que elas devem evitar infringir os direitos humanos de outros e devem abordar os impactos adversos dos direitos humanos com os quais estão envolvidos.

Logo, nessa segunda parte do documento, há o direcionamento para um padrão global de conduta que passa a ser esperado por partes das empresas. Vem, então, o segundo princípio fundamental:

2. A responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos refere-se aos direitos humanos reconhecidos internacionalmente – entendidos, no mínimo, como aqueles expressos na Carta Internacional dos Direitos Humanos e os princípios relativos aos direitos fundamentais estabelecidos na Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Direitos Fundamentais Princípios e Direitos no Trabalho.

Como direitos humanos podem ter uma acepção consideravelmente ampla, esse princípio visa a nortear a gama de direitos humanos com os quais as empresas devem se preocupar, embora, dentre tais direitos, alguns mereçam priorização em razão do contexto do ambiente interno ou externo onde aquela empresa se situa. Vem, então, o terceiro princípio fundamental:

3. A responsabilidade de respeitar os direitos humanos exige que as empresas (a) Evitem causar ou contribuir para impactos adversos sobre os direitos humanos por meio de suas próprias atividades e abordar tais impactos quando eles ocorrer; (b) Procurem prevenir ou mitigar impactos adversos aos direitos humanos que estejam diretamente ligados às suas operações, produtos ou serviços por meio de suas relações comerciais, mesmo que não tenham contribuído para esses impactos.

Esse princípio acima conclama a responsabilidade social das empresas, com o propósito de evitar que os direitos humanos sejam violados, no atingimento dos seus objetivos.

4. A responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos se aplica a todas as empresas, independentemente de seu tamanho, setor, contexto operacional, propriedade e estrutura. No entanto, a escala e a complexidade dos meios pelos quais as empresas cumprem essa responsabilidade podem variar de acordo com esses fatores e com a gravidade dos impactos adversos da empresa sobre os direitos humanos.

A despeito do tamanho da empresa e e da natureza do seu negócio, nenhuma empresa pode se escusar de respeitar os direitos humanos. Não obstante, a maneira pela qual desempenham esse papel pode variar, dependendo da sua estrutura e recursos disponíveis.

5. A fim de cumprir sua responsabilidade de respeitar os direitos humanos, as empresas devem ter políticas e processos adequados ao seu tamanho e circunstâncias, incluindo: (a) Um compromisso político para cumprir sua responsabilidade de respeitar direitos; (b) Um processo de due diligence de direitos humanos para identificar, prevenir, mitigar e prestar contas de como eles lidam com seus impactos sobre os direitos humanos; (c) Processos para permitir a reparação de quaisquer impactos adversos aos direitos humanos que causem ou para os quais contribuam.

Ao sugerir políticas e processos adequados ao seu tamanho e circunstâncias, o documento vai ao encontro de um programa de compliance que enderece princípios e medidas de proteção aos recursos humanos. Due diligence também passa a ser considerado na proteção dos direitos humanos.

A partir de então, essa nova seção passa a listar os princípios operacionais, sendo o primeiro deles:

1. Como base para incorporar sua responsabilidade de respeitar os direitos humanos, as empresas devem expressar seu compromisso de cumprir essa responsabilidade por meio de uma política que: (a) seja aprovada no nível mais alto da empresa; (b) É informado por especialistas internos e/ou externos relevantes; (c) Estipule as expectativas da empresa em relação aos direitos humanos de funcionários, parceiros de negócios e outras partes diretamente ligadas às suas operações, produtos ou serviços; (d) Esteja publicamente disponível e comunicado interna e externamente a todos os funcionários, parceiros de negócios e outras partes relevantes; (e) é refletido nas políticas e procedimentos operacionais necessários para incorporá-los em toda a empresa.

Aqui existe um espaço considerável de aperfeiçoamento, inclusive para grandes corporações transnacionais, pois grande parte delas possuem políticas antiassédio e alguns códigos de ética e / ou de conduta com diretrizes em defesa dos direitos humanos, mas geralmente focando tão somente assédio moral ou sexual. Logo, é importante salientar que a proteção aos direitos humanos vai muito além da questão do assédio, passando pela segurança do trabalho, ergonomia, saúde ocupacional, jornada de trabalho, segurança e tantos outros aspectos relacionados à saúde física e mental das pessoas.

2. A fim de identificar, prevenir, mitigar e explicar como lidam com seus impactos adversos sobre os direitos humanos, as empresas devem realizar a due diligence sobre os direitos humanos. O processo deve incluir a avaliação dos impactos reais e potenciais sobre os direitos humanos, integrando e agindo sobre os resultados, acompanhando as respostas e comunicando como os impactos são abordados. A due diligence de direitos humanos: (a) Deve abranger impactos adversos sobre os direitos humanos que a empresa pode causar ou para os quais contribui por meio de suas próprias atividades, ou que podem estar diretamente ligados a suas operações, produtos ou serviços por meio de suas relações comerciais; (b) Variará em complexidade de acordo com o tamanho da empresa, o risco de graves impactos sobre os direitos humanos e a natureza e contexto de suas operações; (c) Deve ser contínua, reconhecendo que os riscos aos direitos humanos podem mudar ao longo do tempo, à medida que as operações e o contexto operacional da empresa evoluem.

O documento descreve o que é esperado de um processo de due diligence acerca de direitos humanos, estabelecendo o seu alcance e a sua periodicidade. Mais uma grande lacuna a ser observadas especialmente pelas grandes corporações.

3. A fim de avaliar os riscos aos direitos humanos, as empresas devem identificar e avaliar quaisquer impactos adversos reais ou potenciais sobre os direitos humanos com os quais possam estar envolvidas, seja por meio de suas próprias atividades ou como resultado de suas relações comerciais. Este processo deve: (a) Basear-se no conhecimento de direitos humanos internos e/ou independentes; (b) Envolver consultas significativas com grupos potencialmente afetados e outras partes interessadas relevantes, conforme apropriado ao tamanho da empresa e à natureza e contexto da operação.

O documento igualmente sugere a forma das empresas poderem angariar subsídios para avaliar os riscos a que estão sujeitas, com respeito à violação de direitos humanos.

4. A fim de prevenir e mitigar impactos adversos sobre os direitos humanos, as empresas devem integrar os resultados de suas avaliações de impacto em todas as funções e processos internos relevantes e tomar as medidas apropriadas. (a) A integração efetiva requer que:
(i) A responsabilidade de abordar tais impactos seja atribuída ao nível e função apropriados dentro da empresa; ii) Processos internos de tomada de decisão e alocações orçamentárias. (b) A ação apropriada irá variar de acordo com:
(i) O fato da empresa comercial causar ou contribuir para um impacto adverso, ou se estiver envolvida apenas porque o impacto está diretamente ligado às suas operações, produtos ou serviços por meio de uma relação comercial; (ii) A extensão de sua influência para lidar com o impacto adverso.

Claramente o documento esclarece a respeito da necessidade de uma avaliação de riscos e da integração de seus resultados em funções e processos internos de forma a prevenir impactos adversos sobre os direitos humanos.

5. A fim de verificar se os impactos adversos sobre os direitos humanos estão sendo tratados, as empresas devem monitorar a eficácia de sua resposta. O rastreamento deve: (a) Basear-se em indicadores qualitativos e quantitativos apropriados; (b) Aproveitar o feedback de fontes internas e externas, incluindo as partes interessadas afetadas.

O documento igualmente aborda a questão do monitoramento, de forma a evidenciar se as medidas adotadas estão sendo eficazes ou não. Logicamente, todas essas sugestões são acessíveis a um grupo muito limitado de empresas, já que implicam em recursos humanos e financeiros que somente grandes empresas e médias empresas em situação financeira sólida podem suportar.

6. A fim de explicar como lidam com seus impactos sobre os direitos humanos, as empresas devem estar preparadas para comunicar isso externamente, especialmente quando as preocupações são levantadas por ou em nome das partes interessadas afetadas. As empresas comerciais cujas operações ou contextos operacionais apresentam riscos de graves impactos sobre os direitos humanos devem relatar formalmente como lidam com eles. Em todos os casos, as comunicações devem: (a) Ter uma forma e frequência que reflitam os impactos dos direitos humanos de uma empresa e que sejam acessíveis ao seu público-alvo;
(b) Fornecer informações suficientes para avaliar a adequação da resposta de uma empresa ao impacto particular sobre os direitos humanos envolvido;
(c) Por sua vez, não representam riscos para as partes interessadas afetadas, pessoal ou para requisitos legítimos de confidencialidade comercial.

Definitivamente, o Brasil não possui uma cultura de relato espontâneo para as autoridades. Se instrumentos mais recentes como a colaboração premiada e o acordo de leniência são incentivos para relatos espontâneos, na verdade miram tão somente as situações em que houve a participação de outros agentes. No direito penal, enquanto o arrependimento eficaz contribui para a redução da pena do criminoso, não existem instrumentos mais assertivos para incentivar o relato espontâneo de ilicitudes.

7. Sempre que as empresas identificarem que causaram ou contribuíram para impactos adversos, devem providenciar ou cooperar na sua reparação
através de processos legítimos.

Para que uma empresa possa efetivamente remediar uma violação a direitos humanos, é importante que ela tenha uma cultura de compliance implementada, de maneira a ter processos pré-definidos diante de situações como essa.

8. Em todos os contextos, as empresas devem: (a) Cumprir todas as leis aplicáveis e respeitar os direitos humanos reconhecidos internacionalmente, onde quer que operem; (b) Buscar formas de honrar os princípios de direitos humanos
internacionalmente reconhecidos quando confrontados com requisitos conflitantes; (c) Tratar o risco de causar ou contribuir para graves abusos dos direitos humanos como uma questão de conformidade legal onde quer que operem.

Em mais um princípio operacional, o documento tratou de reafirmar a necessidade da empresas de sempre cumprir com as leis aplicáveis para respeitar os direitos humanos.

9. Onde for necessário priorizar ações para lidar com impactos adversos reais e potenciais sobre os direitos humanos, as empresas devem primeiro procurar prevenir e mitigar aqueles que são mais graves ou onde a resposta tardia os tornaria irremediáveis.

E finalmente, nessa seção, o documento tratou da questão de classificação e priorização dos riscos de violação dos recursos humanos.

ACESSO À REMEDIAÇÃO

Finalmente, o documento inicia uma terceira seção, a respeito da questão do acesso à remediação, passando para o único princípio fundamental listado:

1. Como parte de seu dever de proteção contra abusos de direitos humanos relacionados a negócios, os Estados devem tomar medidas apropriadas para garantir, por meio judicial, administrativo, legislativo ou outros meios apropriados, que quando tais abusos ocorrerem em seu território e/ou jurisdição, os afetados tenham acesso a um recurso eficaz.

Está claro que tal orientação versa sobre o dever do Estado punir aquelas empresas que violarem os direitos humanos, seja de que forma for.

Logo, a seguir, são enumerados seis princípios operacionais, conforme disposição a seguir:

1. Os Estados devem tomar as medidas apropriadas para garantir a eficácia dos mecanismos judiciais domésticos ao lidar com abusos de direitos humanos relacionados a negócios, incluindo a consideração de maneiras de reduzir as
barreiras legais, práticas e outras relevantes que possam levar à negação do acesso à remediação.

Embora essa medida seja razoável para assegurar a aplicação da lei, tal implementação nos países implica na alteração de leis, especialmente no Brasil, já que a percepção da sociedade é que existe uma preocupação com os direitos humanos do criminoso, ao invés de uma preocupação com os direitos humanos das pessoas de bem.

2. Os Estados devem fornecer mecanismos de reclamação não judiciais eficazes e apropriados, juntamente com mecanismos judiciais, como parte de um sistema
abrangente baseado no Estado para a reparação de abusos de direitos humanos relacionados a negócios.

Mecanismos de reclamação não judiciais são uma grande lacuna no Brasil. Iniciativas mais recentes como a Portaria CGU 57 de 04 de janeiro de 2019 determinando um prazo para a implementação do programa de integridade em órgãos públicos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional são louváveis e ao estabelecer canais para relatos de má conduta, incluindo suas ouvidorias, podem servir de ponto de partida para o cumprimento dessa orientação.

3. Os Estados devem considerar maneiras de facilitar o acesso a mecanismos eficazes de reclamação não baseados no Estado, lidando com danos aos direitos humanos relacionados a negócios.

Conforme já exposto nesse artigo acima, existem iniciativas de incentivo a programas de compliance, cujo conteúdo prevê canais para relatos de má conduta, sejam internos ou externos, que já servem como medida para cumprimento de tal orientação.

4. Para possibilitar que as queixas sejam tratadas com antecedência e remediadas diretamente, as empresas devem estabelecer ou participar de mecanismos eficazes de reclamação em nível operacional para indivíduos e comunidades que possam ser afetados negativamente.

Assim como o princípio operacional anterior, os canais para relatos de má conduta são fundamentais para cumprir esse papel, inclusive disponibilizados para terceiros e não apenas para colaboradores.

5. A indústria, as múltiplas partes interessadas e outras iniciativas colaborativas baseadas no respeito aos padrões relacionados aos direitos humanos devem
garantir que mecanismos eficazes de reclamação estejam disponíveis.

Mais um princípio operacional que segue pelo mesmo caminho.

6. A fim de garantir sua eficácia, os mecanismos não judiciais de reclamação, tanto estatais quanto não estatais, devem ser: (a) Legítimos: permitindo a confiança dos grupos de partes interessadas a quem se destinam e sendo responsáveis pela condução justa dos processos de reclamação; (b) Acessíveis: serem conhecidos por todos os grupos de interessados a cujo uso se destina e fornecer assistência adequada para aqueles que possam enfrentar barreiras específicas ao acesso; (c) Previsíveis: fornecer um procedimento claro e conhecido com um cronograma indicativo para cada etapa e clareza sobre os tipos de processo e resultados disponíveis e meios de monitorar a implementação; (d) Equitativos: buscando garantir que as partes prejudicadas tenham acesso razoável a fontes de informação, aconselhamento e expertise necessários para se envolver em um processo de reclamação em termos justos, informados e respeitosos; (e) Transparentes: manter as partes em uma reclamação informadas sobre seu andamento e fornecer informações suficientes sobre o desempenho do mecanismo para gerar confiança em sua eficácia e atender a qualquer interesse público em jogo; (f) Compatíveis com os direitos: garantir que os resultados e soluções estejam de acordo com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos; (g) Uma fonte de aprendizado contínuo: basear-se em medidas relevantes para identificar lições para melhorar o mecanismo e prevenir futuras queixas e danos; Os mecanismos de nível operacional também devem ser: (h) Baseados no engajamento e no diálogo: consulta aos grupos de partes interessadas a quem se destinam em seu desenho e desempenho, e foco no diálogo como meio de abordar e resolver reclamações.

E finalmente, em seu último princípio operacional, o documento esclarece o que se espera de um canal para relato de má conduta, seja na esfera pública, seja no setor privado.

Por conseguinte, trata-se de uma iniciativa louvável das Nações Unidas, cujo conteúdo poderia ser melhor explorado por alguns países, dentre eles o Brasil.

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