17.06.2020 – A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/2018) impactará o gerenciamento de informações pessoais de indivíduos por todas as empresas, que precisarão estar adequadas para tratá-las, desde a coleta, até a sua efetiva eliminação, tão logo tal norma legal entre em vigor.

Por falar em vigência da lei, a única certeza até esse momento é que as sanções (penalidades) da lei entrarão em vigor em 01 de agosto de 2021, enquanto a incerteza paira sobre o restante. No atual momento, será 03 de maio de 2021, em razão da Medida Provisória 959/2020. Todavia, houve diversas propostas de emenda alterando essa data e a mesma ainda corre o risco de não ser convertida em lei. Sem falar no projeto de lei aprovado no Senado Federal e em trâmite na Câmara. Porém se nenhum deles vingar, volta o prazo de 16 de agosto de 2020 para o restante do conteúdo.

Neste artigo, faremos referência ao impacto da LGPD nos estudos clínicos (clinical trials), que, em regra, envolve stakeholders como indústrias farmacêuticas, na qualidade de patrocinadora do estudo, CROs (Clinical Research Organizations) que gerenciam o estudo clínico contratando investigadores, profissionais de saúde, adquirindo bens e serviços acessórios necessários e administrando o orçamento destinado para a realização dos estudos clínicos, e, finalmente, os pacientes que participam dos referidos estudos, que são regidos por normas regulatórias bastante rígidas.

Dentro desse cenário, falaremos sobre alguns impactos importantes:

Enquadramento da Base Legal

O enquadramento da base legal varia conforme a natureza do titular dos dados. Com efeito, quando se fala em estudos clínicos, especialmente em razão do tratamento de dados pessoais sensíveis, os dados pessoais dos pacientes que participam do estudo clínico acabam ganhando maior relevância. Vejamos o enquadramento dos dados pessoais dos seguintes titulares:

– Pacientes – 5 bases legais podem ser cogitadas: (i) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador – esta base legal esbarra no fato de que o titular dos dados opta em participar do estudo clínico, não sendo o mesmo obrigatório por lei e pode haver a participação de um operador de dados, (ii) quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados – esta base legal esbarra na necessidade de fazer um contrato com cada paciente e a seu pedido, (iii) para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária – esta base legal esbarra na interpretação de que o estudo clínico não necessariamente cuida da saúde do paciente, visto que a sua finalidade é investigar a eficácia e o perfil de segurança do medicamento, (iv) quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais – esta base legal esbarra na exceção de prevalecer direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção de seus dados pessoais, em uso secundário, por exemplo, após os estudos clínicos e (v) o consentimento, que apesar do risco de revogação, autoriza controlador e operador a tratarem os dados pessoais de forma clara, inclusive quanto a uso secundário, desde que tais finalidades sejam determinadas no consentimento.
– Profissionais de saúde – Apesar de serem cabíveis as bases legais acima, à exceção da tutela da saúde, evidencia-se maior coerência na adoção da seguinte base legal: quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados. Como necessariamente deverá ser feito um contrato com os profissionais de saúde envolvidos no estudo clínico, o mesmo pode ser customizado para incluir informação ao profissional de saúde, comunicando a necessidade da utilização do seus dados pessoais dentro do escopo e finalidade do contrato.

Consentimento do Paciente

O Consentimento do Paciente, conhecido pela sigla em inglês ICF (Informed Consent Form), não deve ser confundido com o Consentimento exigido pela legislação regulatória, sendo que, no Brasil, a principal delas é a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O Consentimento exigido pela Resolução CNS 466/2012 exige obrigatoriamente:

a) justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa, com o detalhamento dos métodos a serem utilizados, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou experimental, quando aplicável;

b) explicitação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da participação na pesquisa, além dos benefícios esperados dessa participação e apresentação das providências e cautelas a serem empregadas para evitar e/ou reduzir efeitos e condições adversas que possam causar dano, considerando características e contexto do participante da pesquisa;

c) esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência a que terão direito os participantes da pesquisa, inclusive considerando benefícios e acompanhamentos posteriores ao encerramento e/ ou a interrupção da pesquisa;

d) garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;

e) garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa durante todas as fases da pesquisa;

f) garantia de que o participante da pesquisa receberá uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

g) explicitação da garantia de ressarcimento e como serão cobertas as despesas tidas pelos participantes da pesquisa e dela decorrentes; e

h) explicitação da garantia de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.

O Consentimento do Paciente, segundo a LGPD, deve atender a finalidades determinadas e além disso, como incluirá dados pessoais sensíveis, deve ser específico e destacado. A LGPD não obriga que o Consentimento do Paciente seja um documento distinto; razão pela qual, faculta o mesmo ser inserido dentro do consentimento exigido pela Resolução CNS 466/2012 ou ser elaborado em um documento único elaborado para esse fim.

Não obstante, recomenda-se que o Consentimento do Paciente, segundo a LGPD, seja um documento à parte, considerando que existe a possibilidade do mesmo ser revogado pelo titular dos dados e participante do estudo clínico. A revogação de tal consentimento não implica na sua saída do estudo clínico, nem na renúncia ao consentimento exigido pela Resolução CNS 466/2012, havendo alternativas para o não tratamento de seus dados pessoais, como anonimização, por exemplo.

Agentes de Tratamento

Em um estudo clínico, em regra, a indústria farmacêutica atua como patrocinadora do estudo e uma CRO (Clinical Research Organization) geralmente é contratada para administrar o estudo. De outra forma, o estudo pode ter sido idealizado por um investigador e oferecido à indústria, passando a ser denominado ISR (Investigator Sponsored Research).

No que diz respeito à patrocinadora, resta claro o seu papel como controladora de dados pessoais, afinal, ela é responsável por determinar que dados pessoais devem ser coletados para o estudo, conforme estabelecido no protocolo. Todavia, em relação à CRO ou mesmo a um investigador ou um grupo de investigadores, na ausência da CRO, resta a dúvida se desempenham o papel de controlador ou operador. Isso dependerá se os mesmos tomam decisão em relação aos dados ou se apenas seguem as diretrizes da patrocinadora. Se tomarem decisões em relação aos dados serão controladores, ao passo que se seguirem diretrizes da patrocinadora apenas, serão operadores.

Post Disclaimer

A informação contida nesse site pode ser copiada ou reproduzida, sem necessidade de consentimento prévio do autor. Quando possível, o autor solicita a colaboração em citar a fonte dos dados.