25.11.2022 – Apesar das regras antitruste brasileiras seguirem o exemplo do direito concorrencial norte-americano, não foram eles os pioneiros na matéria, mas sim, seus vizinhos canadenses, já que a primeira lei antitruste que se tem notícia foi publicada em 1889, no Canadá, aliás, ano em que o Brasil deixava de ser um império, ao ser proclamada a República em 15 de novembro de 1889, pelo Marechal Deodoro da Fonseca.

Esta lei canadense foi chamada de Act for the prevention and supression of combinations formed in restraint of trade, tendo como finalidade precípua o combate à formação de carteis, tipificando a fixação de preços e outros acordos entre competidores como práticas abusivas, sendo posteriormente incorporada ao Código Penal do Canadá. Atualmente, no Canadá, prevalece o Competition Act, sancionado em 1986 e que, por meio da Budget Implementation Act (BIA), em abril de 2022, introduziu alterações na lei, trazendo especialmente os seguintes pontos: (i) a criminalização de acordos trabalhistas de fixação de salários e de proibição de cláusulas de non hiring ou non solicitation, (ii) um aumento significativo de multas e penalidades monetárias, (iii) adição de “preços por gotejamento” (técnica utilizada especialmente no comércio eletrônico, locações de veículos, etc. em que é citado o preço inicial apenas e posteriormente são adicionados outros valores majorando sobremaneira o preço final a ser pago) a práticas de marketing enganosas explicitamente proibidas, (iv) esclarecimento do propósito do abuso de posição dominante e a expansão dos direitos privados de ação para reivindicações de abuso de posição dominante, e (v) a adição de considerações inspiradas nos mercados digitais ao avaliar os impactos na concorrência em relação à revisão de atos de concentração e outras práticas passíveis de revisão.

Mesmo não sendo os pioneiros, os norte-americanos não tardaram e em 02 de julho de 1890 já nascia a famosa Sherman Act, sendo complementada em seguida pela Clayton Act em 1914 e pela criação da Federal Trade Commission (FTC), a agência antitruste norte-americana.

Aqui vale uma comparação interessante. Enquanto as origens do direito norte-americano são provenientes da Common Law (onde a principal fonte do direito tende a ser os costumes ou a jurisprudência) e sua principal fonte do direito é a jurisprudência (as decisões dos tribunais), as origens do direito canadense são, em regra, também a Common Law, mas com uma singular diferença. Enquanto os Estados Unidos possuem 50 Estados, sendo o direito neles praticados todos oriundos da Common Law, o Canadá possui 10 (dez) províncias, mas apenas uma delas, a província de Quebec, teve o seu direito oriundo da Civil Law, em razão da influência francesa, sendo a sua principal fonte do direito, a lei. Todas as 9 (nove) demais províncias, tem o seu direito originado na Common Law.

O Brasil tomando a Sherman Act como espelho, começou a olhar com maior seriedade para o tema, a partir da sanção da Lei 8.884 de 11 de junho de 1994, que passou a ser a Lei Antitruste brasileira, inclusive, transformando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), em autarquia especial, com maior autonomia para exercer o seu papel de monitoramento e órgão sancionador em face daqueles que violassem a livre concorrência e a ordem econômica.

Desde então, o CADE passou a analisar atos de concentração, não apenas de empresas em processo de fusão ou aquisição, mas até mesmo na compra de determinados produtos, cujo domínio de mercado viesse a impactar sobremaneira a livre concorrência. O CADE igualmente interferiu em esquemas de carteis e oligopólios, envolvendo empresas de renome nacional e internacional.

Finalmente, em 30 de novembro de 2011, foi sancionada a Lei 12.529 que passou a ser a nova Lei Antitruste vigente no Brasil, embora, devido à vacatio legis nela inserida pelo legislador (intervalo de tempo entre a data da publicação de uma lei e a data em que a mesma entra em vigor), essa nova lei somente entrou em vigor 180 dias depois. Nossa lei foi tão influenciada pela lei norte-americana que importou de lá alguns instrumentos interessantes e inéditos até então no Brasil, como, por exemplo, o acordo de leniência.

Eis que há aproximadamente 1 (uma) semana, exatamente no dia 16 de novembro de 2022, foi sancionada a Lei 14.470, que alterou a Lei Antitruste, adicionado o seguinte conteúdo:

ANTESDEPOIS
Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
§ 1º Os prejudicados terão direito a ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal.
§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo aos coautores de infração à ordem econômica que tenham celebrado acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de prática cujo cumprimento tenha sido declarado pelo Cade, os quais responderão somente pelos prejuízos causados aos prejudicados.
§ 3º Os signatários do acordo de leniência e do termo de compromisso de cessação de prática são responsáveis apenas pelo dano que causaram aos prejudicados, não incidindo sobre eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem econômica.
§ 4º Não se presume o repasse de sobrepreço nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar.”
Não existia.“Art. 46-A. Quando a ação de indenização por perdas e danos originar-se do direito previsto no art. 47 desta Lei, não correrá a prescrição durante o curso do inquérito ou do processo administrativo no âmbito do Cade.
§ 1º Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados pelas infrações à ordem econômica previstas no art. 36 desta Lei, iniciando-se sua contagem a partir da ciência inequívoca do ilícito.
§ 2º Considera-se ocorrida a ciência inequívoca do ilícito por ocasião da publicação do julgamento final do processo administrativo pelo Cade.”
Não existia.“Art. 47-A. A decisão do Plenário do Tribunal referida no art. 93 desta Lei é apta a fundamentar a concessão de tutela da evidência, permitindo ao juiz decidir liminarmente nas ações previstas no art. 47 desta Lei.”

Por conseguinte, é patente o agravamento das penalidades e o aumento do zelo com aqueles prejudicados por infrações da ordem econômica, descritas no Art. 36 da referida lei, já que esses prejudicados, a partir de agora, passam a ter direito ao ressarcimento em dobro por todos os prejuízos que lhe forem causados.

Além disso, ficou consignada também a exclusão da responsabilidade solidária para aqueles que celebrarem acordos de leniência ou termos de compromisso de cessação com o CADE.

A definição da prescrição quinquenal (5 anos) para qualquer pretensão de reparação pelos danos causados pelas infrações à ordem econômica previstas no Art. 36 foi outra inovação trazida, sendo certo que pelo novo texto, enquanto o processo estiver em julgamento no CADE, a mesma fica suspensa, só iniciando-se por ocasião da publicação do julgamento final do processo administrativo.

A não presunção do repasse de sobrepreço é outra inovação para tornar mais claro que passa a se constituir ônus de prova do réu que o alegar.

E finalmente, a decisão expedida do plenário do Cade passa a ser apta para fundamentar a concessão de tutela de evidência, permitindo a decisão liminar.

São inovações que contribuem para lapidar ainda mais a lei antitruste brasileira.

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