
11.11.2022 – Os controvertidos Programas de Suporte a Pacientes (PSPs) desenvolvidos pelas indústrias farmacêuticas são frequentemente motivo de polêmica a respeito do real benefício que podem proporcionar ao paciente, o quanto contribuem para a fidelização do referido paciente e quais os riscos que podem proporcionar às empresas que os implementam.
Os PSPs, quando foram inicialmente idealizados, partiam da premissa da utilização de call centers onde o contato com os pacientes era desenvolvido apenas por intermédio da utilização do telefone.
Os PSPs almejam melhorar a qualidade de vida do paciente, com o uso adequado do medicamento, melhorando a sua adesão ao tratamento e, por conseguinte, os resultados clínicos. Para tanto, os PSPs geralmente possui alguns ou todos os componentes listados abaixo:
1. Auxiliar o paciente a tomar os seus medicamentos da maneira correta, especialmente porque a administração de muitos medicamentos pode ocasionar danos à saúde do paciente, caso não sejam seguidas todas as orientações prescritas em bula. Infelizmente, por um lado, nem todos os pacientes tem o cuidado de ler completamente a bula e, por outro lado, existem algumas complexidades difíceis para que o paciente possa lidar com elas sozinho. |
2. Proporcionar serviços que possam trazer maior qualidade de vida ao paciente, como, por exemplo, dicas de nutrição, hábitos saudáveis, mudança do estilo de vida, recomendações de exercícios, etc… |
3. Viabilizar o acesso do paciente ao medicamento, por meio de doações, descontos diferenciados ou reembolsos parciais ou integrais, até que o paciente consiga adquirir o referido medicamento por meio de seu plano de saúde ou, ainda, através do Sistema Único de Saúde – SUS. |
4. Um apêndice de um PSP, que é ainda utilizado por algumas empresas, é o oferecimento de diagnósticos médicos, a fim de identificar se o paciente possui determinada enfermidade ou não. Porém aqui, existe um diferencial importante. Enquanto o PSP pode e deve ser comunicado à classe médica, o mesmo é endereçado ao paciente, ao passo que o oferecimento de diagnósticos, que pode receber até o título de programa de diagnósticos, é endereçado ao médico e ele determina o paciente que irá usufruir do exame médico gratuito. |
Infelizmente, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ainda não produziu regulamentação específica para os PSPs, embora tenha editado a Resolução RDC nº 11 de 26.01.2006 que dispõe sobre o Regulamento Técnico de Funcionamento de Serviços que prestam Atenção Domiciliar. Entretanto, os PSPs nem sempre contemplam o atendimento domiciliar e, mesmo quando isso ocorre, não há orientação de natureza clínica, pois o PSP jamais interfere na relação médico-paciente. Por outro lado, associações do setor farmacêutico, como a INTERFARMA, por exemplo, tem uma seção inteira do seu Código de Conduta, a respeito de programas de suporte, incluindo o PSP.
Um dos grandes fatores de sucesso para o êxito de um bom PSP é o profissional de saúde. Primeiramente, o médico que prescreve o medicamento e que, ao conhecer o PSP e aceitar a ideia de que o mesmo agregará valor ao tratamento do seu paciente, passa a ser um grande incentivador para que o paciente ao menos conheça o PSP, já que o referido programa é gratuito e não trará qualquer ônus ao paciente. Em seguida, enfermeiras e farmacêuticos, que podem fazer parte do time que operacionaliza o PSP a pedido da empresa e cuja habilidade na interação com os pacientes e na expertise do que se propõem a fazer, podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um PSP. Por outro lado, cabe igualmente à empresa proporcionar treinamento médico, treinamento de compliance e treinamento de farmacovigilância.
Essa interação que acaba ocorrendo com os médicos acaba também trazendo algumas preocupações relacionadas a potenciais conflitos de interesses e as indústrias farmacêuticas que se propõem a implementar PSPs devem atender aos seguintes limites:
1. Jamais remunerar ou proporcionar algum outro tipo de benefício ao médico pelo ingresso de pacientes em seu PSP, ainda que tenha havido alguma recomendação por parte daquele. |
2. Nunca condicionar o oferecimento de diagnósticos (exames médicos) por parte do médico à prescrição do seu próprio medicamento, já que a prescrição do tratamento mais adequado deve ficar a cargo do próprio médico. |
3. Deve ficar sempre claro ao médico que o PSP jamais será utilizado para fazer a promoção do medicamento junto ao paciente. |
4. Deve ficar igualmente claro ao médico que jamais o PSP se prestará a fornecer orientação clínica ou a criticar o tratamento estabelecido por ele ao seu paciente. |
Outra cautela importante deve ser focada na interação com o próprio paciente, seja devido ao risco de percepção de promoção direta do medicamento ao paciente, seja pelo tratamento não apropriado dos dados pessoais do paciente, especialmente se forem dados pessoais sensíveis, especialmente aqueles relacionados à sua saúde. Logo, deve ser evitada a coleta de dados pessoais de pacientes, excepcionando-se as hipóteses em que a sua individualização seja necessária, como nos casos em que haja relatos de eventos adversos, a serem diligenciados pela área de farmacovigilância. A propósito, scripts de aproximação aos pacientes devem ser criados e o time que irá operacionalizar o PSP deve ser adequadamente treinado. Perguntas aparentemente simples e inócuas, podem acabar merecendo uma atenção desnecessária pela empresa, pois ela não poderá ignorar a resposta do paciente devido ao seu compromisso com a farmacovigilância de seu produto. Assim, caso o operador do PSP indague: – Sr. Fulano, como passou a noite de ontem para hoje?… e o paciente responde: – Ahh meu filho, fui deitar com muita dor nas costas, com a cabeça latejando e tive insônia a noite toda, pois levantava toda hora para ir urinar no banheiro. Essa simples resposta, demonstrou 4 potenciais eventos adversos, que poderiam ou não ser ocasionados pelo medicamento: (i) dor nas costas, (ii) cabeça latejando, (iii) insônia a noite toda e (iv) levantava toda hora para ir urinar. É bem verdade, que dependendo da enfermidade do paciente, ele possivelmente tomará diversos medicamentos, sendo, muitas das vezes, bastante difícil vincular um sintoma como evento adverso do respectivo medicamento.
É imperioso salientar que as áreas de marketing e comercial não devam ter, em regra, interação com PSPs, excepcionando o recebimento de dados estatísticos ou em bases agregadas, para ajudar na percepção de prevalência territorial da doença, etc.
Todo PSP deve ter regras escritas, determinando suas diretrizes básicas, especialmente se dentre seus componentes houver o componente de acesso do paciente ao medicamento, afinal de contas, as iniciativas de facilitação do acesso ao paciente geralmente implicam em um ônus financeiro razoável para as indústrias farmacêuticas e, portanto, limites claros devem ser estabelecidos antes mesmo do ingresso do paciente ao PSP. Excluindo esse componente de um PSP, o ingresso e a saída do PSP devem, em regra, ser uma prerrogativa do paciente, de forma espontânea.
A automatização do PSP também é um valor agregado importante para o seu ótimo gerenciamento. Aqui também é necessária a discussão prévia se os campos a serem preenchidos devem ser do tipo free text (em que o operador pode escrever o que bem entender) ou drop down (em que o operador irá escolher uma das opções já previstas no software).
PSPs podem ser operacionalizados tanto por colaboradores da empresa, quanto por empresas terceirizadas para esse fim. Na utilização de empresas terceirizadas, é importante que elas sigam todas as diretrizes estabelecidas pela indústria farmacêutica e que haja um monitoramento constante da sua evolução. O uso de uma empresa terceirizada, a despeito da questão econômica, considerando a comparação entre os honorários pagos e o custo Brasil de manter colaboradores, considerando sua remuneração, benefícios e a tributação, traz uma vantagem importante: o isolamento da empresa em não acessar diretamente os dados pessoais dos pacientes incluídos no PSP.
Atualmente, os PSPs concentram-se especialmente vinculados a medicamentos endereçados a pacientes com diabetes mellitus e esclerose múltipla. Não obstante, os medicamentos oncológicos, especialmente considerando a sua especialização e complexidade, vem ganhando visibilidade na vinculação com PSPs e existe a tendência de se tornarem os grandes protagonistas no fomento de PSPs por parte das indústrias farmacêuticas.
E, por fim, a tendência para a evolução dos PSPs reside na utilização da tecnologia para aproximar o paciente e facilitar a comunicação das diretrizes do programa. Assim, começa a surgir aplicativos de celular específicos para o paciente instalar em seu celular, ao aderir a um determinado PSP, facilitando sobremaneira a comunicação entre os operadores do programa e o próprio paciente.
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