30.03.2020 – Em momentos em que uma pandemia global em decorrência da Covid-19 coloca em xeque os sistemas públicos de saúde, são os mais idosos as maiores vítimas dessa doença.

Nada mais oportuno do que entender as formas de término da vida de uma determinada pessoa. E é importante que se saiba, que para o Brasil, o término da vida se dá com a “morte encefálica”, conforme preconiza a Lei 9.434/97 (Lei de Transplantes). Tal definição é de suma importância, para definir condutas médicas e responsabilidades.

EUTANÁSIA

A eutanásia é a morte de alguém, causada por um sentimento de pena, piedade do agente em relação à vítima em sofrimento. Nela, ocorre uma intervenção ativa de alguém, que por meio de uma ação ou omissão, causa a morte e, por consequência, o fim do sofrimento de uma pessoa. Por isso a eutanásia se divide em ativa, se for causada por ação e passiva se for causada por omissão. São sinônimos de eutanásia, a morte doce ou a morte indolor.

No Brasil, não há previsão legal no direito brasileiro que isente um profissional de saúde ou um acompanhante de responder criminalmente, caso cometa a eutanásia. As excludentes de ilicitude, especialmente, o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular de um direito, não são justificáveis para retirar a vida de outrém. Nesse caso, haveria a tipificação do homício. No caso de ser um paciente terminal, sob forte sofrimento e em doença incurável, ainda assim o agente da eutanásia ativa, responderia criminalmente, tipificado no Art. 121, parágrafo 1º do Código Penal, ou seja, no tipo de homicídio privilegiado, com a correspondente diminuição da pena.

Homicídio Simples

Art. 121 – Matar alguém

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. 

Todavia, no caso da eutanásia passiva, o Conselho Federal de Medicina já se posicionou a respeito, mediante a Resolução 1.805/2006 que prevê que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou seu representante legal.

Tal posicionamento isenta o médico de responsabilidade, caso seja o agente da eutanásia por omissão, ou eutanásia passiva. Cabe a discussão jurídica de que uma resolução, por ser uma norma infra-legal, é inferior à lei (norma legal), e, portanto, não teria como excepcioná-la.

ORTOTANÁSIA

A ortotanásia significa o processo de morte natural, sem que haja a intervenção médica para manter o paciente vivo. A ortotanásia ocorre, com a concordância do paciente, que se encontra em estado terminal, onde não há recursos na medicina para mantê-lo vivo. Assim, ao invés de prolongar sua vida, em meio a muito sofrimento, existem cuidados paliativos apenas para dar a maior qualidade de vida possível ao paciente, tornando o restante da sua curta existência a menos penosa possível. Ortotanásia significa a morte correta ou natural.

No direito brasileiro, a ortotanásia é encarada ainda de maneira controversa, havendo uma corrente que defende a sua tipificação no delito de omissão de socorro ou até mesmo auxílio ao suicídio, enquanto outra corrente entende que é dever do médico agir para amenizar as intensas dores do paciente terminal, mesmo que a consequência venha a ser, indiretamente, a sua morte.

Omissão de socorro

        Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

        Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação 

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: 

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

A ortotanásia diferencia-se da eutanásia passiva, pelo fato de que ela simplesmente implica em permitir ao paciente que venha a óbito naturalmente, decorrência de sua enfermidade; já a eutanásia passiva, implica no óbito do paciente, ao cessar a utilização dos recursos que o mantém vivo.

Ainda que a Resolução 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina preconize o direito do médico cometer a eutanásia passiva, existe uma máxima em direito que traduz que “quem pode mais, pode menos” (a maiori, ad minus). Logo, por analogia, tal direito à ortotanásia estaria garantido a esses profissionais.

DISTANÁSIA

A distanásia significa o ato de prolongar a vida de um paciente em estado terminal, não importando o seu sofrimento, ainda que haja todas as evidências indiquem que o resultado será o seu óbito. É também conhecida como “obstinação terapêutica”, onde se prolonga a vida de um paciente, utilizando-se de recursos, tais como a entubação traqueal, o uso da noradrenalina, a hemodiálise, etc… sem os quais, o paciente não teria como continuar vivo.

Não existe no direito brasileiro qualquer óbice à distanásia.

MISTANÁSIA

A mistanásia significa o óbito de pessoas excluídas socialmente, que acabam falecendo pela falta de assistência médica ou por assistência médica precária. Obviamente, aqueles sujeitos à mistanásia, não possuem recursos financeiros para arcar com os custos decorrentes dos cuidados de saúde apropriados para garantir a sua vida. A mistanásia é conhecida como a morte infeliz.

No direito brasileiro, o Art. 196 da Constituição Federal defende que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.

 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

SUICÍDIO ASSISTIDO

O suicídio assistido ocorre quando um terceiro, profissional de saúde ou não, presta o auxílio ao paciente a cometer o ato que o levará a seu óbito, a seu pedido. Como exemplo, o profissional de saúde ou acompanhante lhe oferece um comprimido de um medicamento que naquela dose, o levará a óbito, mas é o paciente que engole o comprimido ou, ainda, um dispositivo que ao ser apertado, injetará uma substância letal ao mesmo.

No direito brasileiro, o suicídio assistido tem tratamento semelhante à eutanásia, incorrendo o agente na tipificação do homicídio privilegiado, descrito no Art. 121, parágrafo 1º do Código Penal.

Homicídio Simples

Art. 121 – Matar alguém

Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

ETICAMENTE FALANDO…

Finalmente, após discorrermos sobre o significado e o enquadramento no direito brasileiro de cada uma das situações acima, passamos à análise sob o prisma da ética ou bioética.

Aqui também funciona a máxima de que nem tudo que é legal, é ético e nem tudo que é ético, é legal.

Segundo a ética da convicção, a vontade do paciente deve ser respeitada, pois, estando o mesmo capaz de suas faculdades mentais, somente ele é capaz de avaliar com precisão se sua vida vale o sofrimento que o atinge. Nenhum profissional de saúde, parente, advogado ou juiz de direito é capaz de mensurar o seu grau de sofrimento, quando a medicina não dispõe mais de recursos para reverter o seu quadro.

Por mais doloroso que seja aos parentes e, por vezes, a alguns profissionais de saúde, a distanásia, em situações irreversíveis, torna-se uma forma cruel, egoísta e egocêntrica de impedir o término do sofrimento daquele que agoniza. Palavras duras, mas apropriadas àqueles que contrariam a vontade daquele que sofre, sem qualquer perspectiva de reversão do seu quadro.

Poucos países, entretanto, encaram de frente o problema, como, por exemplo, a Suíça, que legitimou o suicídio assistido.

Considerando que a moral é a regra da ética e que a moral sofre influência de diversas variáveis, evidencia-se, aqui, a influência da religião contra qualquer ação que culmine no término da vida de alguém.

Porém, está na hora, de se respeitar o desejo do paciente, se não lhe resta qualquer esperança de reversão do seu quadro terminal e se o sofrimento que lhe aflige é tamanho.

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