
29.03.2020 – Não é a primeira vez que os caminhos de Hollywood se cruzam com a realidade do dia a dia, mas, certamente, o filme “A Escolha de Sofia”, baseado na obra literária homônima de William Styron, filmado em 1982 e exibido nas salas de cinema no início de 1983, protagonizado por Maryl Streep, em atuação soberba a ponto de ser laureada com um Oscar, nos permite uma profunda analogia com o que acontece atualmente, após a pandemia global do coronavírus, cuja doença já foi intitulada de Covid-19.
Conflitos de interesses são desafios com os quais qualquer ser humano sempre será instado a lidar.
Mas voltando a estória de “A Escolha de Sofia” e indo diretamente ao cerne da questão, Maryl protagonizou o papel de uma jovem polonesa chamada Sofia Zawistowski, que fora prisioneira em um campo nazista de Auschwitz, junto com 2 filhos pequenos: 1 menino de 10 anos e uma 1 menina de 8 anos. Por ironia do destino, assim como na vida real, Sofia não era judia, mas foi presa como se o fosse; algo que efetivamente aconteceu com diversos prisioneiros de Auschwitz. Por sua beleza, Sofia chamou a atenção de um oficial nazista, confidenciando ao mesmo a sua natureza cristã e o receio com a segurança de seus filhos. O sádico oficial decidiu então conceder-lhe um prêmio: escolher qual de seus filhos iria morrer e qual seria poupado.
Sem alternativas possíveis, não restou à Sofia senão optar pelo filho de 10 anos, fundamentando sua escolha no fato do mesmo ser mais forte e ter mais condições de sobrevivência. Sua escolha resultaria na morte da sua filha de 8 anos; fardo que ela carregaria para o resto de sua vida, atormentando cada minuto da sua existência.
E, de repente, nos deparamos com a Covid-19, surgindo com uma velocidade vertiginosa, permitindo a poucos países tomarem medidas preventivas… já que grande parte dos países mais afetados hoje, tiveram que adotar medidas reativas, pois demoraram a perceber a gravidade da situação. O Brasil foi um dos países que teve tempo de agir preventivamente, com a iniciativa de isolamento social.
Na data da elaboração desse artigo, esse é o quadro atual da pandemia global:

Examinando atualmente a curva de progressão de contágio dos 4 países com maior número de infectados, encontramos o panorama abaixo:
EUA:

ITÁLIA:

CHINA:

ESPANHA:

Com exceção da China, que conseguiu conter o ímpeto de crescimento da pandemia, todos os demais países enfrentam um crescimento galopante nos números. É imperioso chamar a atenção para um detalhe preocupante… apesar da tragédia em número de óbitos que atingiu a Itália, as curvas de crescimento de contágio nos EUA e na Espanha parecem ser ainda mais agressivas nesse momento, tomando um rumo quase verticalizado.
E com respeito ao Brasil. Vejamos a sua curva de crescimento em números de infectados na data desse artigo:


Considerando a situação dos demais países, o Brasil ainda encontra-se em uma situação mais favorável… porém atrás dos números e estatísticas, estão avôs, avós, pais, mães e parentes queridos de muitos. E na verdade, quando a perda ocorre na família de alguém, é triste, mas se trata de mais um número para compor a estatística. Todavia, quando a perda ocorre na nossa família, o sentimento é outro… a dor é intensa e a indignação por não ter sido possível salvar a vida do ente querido, também.
E diante das informações acima citadas, agora sim, voltamo-nos ao filme “A Escolha de Sofia”. E vamos analisar 2 situações, em especial.
Na primeira delas, a iniciativa do Governo brasileiro ao decretar o isolamento social foi tomada com a finalidade de salvar vidas, evitando o colapso do sistema de saúde, público e particular. Nem mesmo a Alemanha, com a sua estrutura exemplar na área de saúde, está preparada para uma tragédia como essa. Evitando o colapso do sistema de saúde, o Governo brasileiro escapou do primeiro dilema a ser analisado em analogia ao filme “A Escolha de Sofia”. Nesse caso, o melhor exemplo é a Itália…onde houve o colapso absoluto do sistema de saúde, obrigando médicos e enfermeiros a viverem, na vida real, o papel de Sofia Zawistowski, tendo que decidir, sem qualquer outra chance, quem deve viver e quem deve morrer. E independente de qual seja a escolha, que possivelmente irá utilizar o mesmo fundamento adotado por Sofia, ou seja, privilegiar aquele que tem mais chances de sobrevivência, é algo tão tormentoso e cruel, cuja mácula jamais se apagará da mente desses profissionais. É o eterno dilema da injustiça… o mundo definitivamente não é justo… e esse é um dos múltiplos exemplos.
Na segunda delas, a situação que vivemos atualmente no Brasil, com respeito à dicotomia existente entre o isolamento social e o desmoronamento da economia, prenunciando o empobrecimento do país, a generalização da fome e o aumento de saques e da violência.
Diferentemente do filme “A Escolha de Sofia” e da situação italiana de colapso na saúde, o Brasil tem chances, embora as decisões sejam complexas e exijam uma ampla e rápida discussão, no sentido de estabelecer o nível de criticidade de cada aspecto. Um exemplo é tomarmos alguns dos termos, citados no parágrafo anterior.
Empobrecimento do país é algo negativo certamente, mas que ao confrontá-lo com perdas de vidas, na perspectiva que a pandemia da Covid-19 se apresenta, é um mal menor. Logo, sob esse argumento, é despiciendo discutir a respeito do término de isolamento social, independente de dias ou meses, conforme a necessidade.
Todavia, quando a ótica passa a ser a generalização da fome, a questão não é tão simples. Quem tem fome, tem pressa! Em um país, no qual o trabalho informal atinge 41,3% dos brasileiros e de cada 10 brasileiros, 3 possuem emprego com carteira assinada, não é necessário ser economista ou mago para concluir que em alguns dias, milhões de brasileiros começarão a não ter o que comer em casa ou fora dela.
Porém, como dito anteriormente, o Brasil tem as chances que Sofia não teve. E que chances são essas? Em minha opinião as seguintes:
- A ajuda de caráter social para a camada mais pobre da população. Reverta-se o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões de reais para tal fim. Reverta-se os recursos proveniente da penalidade paga pela Petrobrás da ordem de R$ 1.6 bilhões, negociados pelo Ministério Público com o Departamento de Justiça norte-americano (US DOJ), em virtude de corrupção; algo que aparentemente já teve o aval do STF. No atual momento, está aprovada a transferência de renda no valor de R$ 600,00; e para as famílias com renda familiar de até R$ 3.135,00 (3 salários mínimos), poderão ser concedidos dois benefícios de R$ 600,00 por família, por 3 meses.
- A postergação do pagamento de tributos e prestações financeiras deveria ser algo igualmente considerado, durante o período necessário de contenção da pandemia.
- A renegociação salarial temporária proporcional à perda de receita da empresa, durante o período necessário de contenção da pandemia, seria algo mais eficaz que o desemprego em alta escala.
- Isolamento social horizontal x isolamento social vertical. Essa certamente é a questão mais polêmica, visto que a tese seria manter em isolamento apenas os mais suscetíveis aos casos graves da Covid-19, permitindo aos demais tentar manter a sua rotina de vida… trabalho, escola, etc… Apesar da aparente dificuldade de decidir entre uma situação e a outra, as curvas de progressão da pandemia demonstradas acima não deixam dúvidas que poderia ser desastrosa a liberação do isolamento social nesse momento, ainda que para uma parcela da população (isolamento social vertical). É preciso sobrestar a progressão do contágio, para aí sim, sobrevir a tese do isolamento social vertical.
Logo, o Brasil tem chances de escolha, que Sofia não teve!
É preciso registrar, entretanto, que é profundamente lamentável a quantidade de fake news elaboradas por irresponsáveis e criminosos, assim como a postura de alguns almejando, de forma hipócrita, locupletar-se politicamente como os salvadores da pátria. A diferença entre o salvador da pátria e o hipócrita, é que o salvador da pátria age, propõe ações, implementa… o hipócrita somente critica.
Que o mundo, enfim, aprenda a lição de não subestimar mais o risco de uma pandemia… que quando uma situação como essa ocorra, independente de qual seja o país, que medidas sejam tomadas pela comunidade internacional para isolar a região e prover toda a ajuda humanitária necessária; porém, sem colocar em risco a vida do restante da humanidade.
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