16.07.2020 – O Departamento de Justiça norte-americano (US DOJ) e a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC) lançaram uma nova versão do guia de orientação a respeito da Lei Anticorrupção norte-americana (FCPA – Foreign Corrupt Practices Act), após 8 anos, desde a publicação da primeira versão. Quando foi lançado em 2012, o guia elencou os 10 elementos (denominados em inglês de hallmarks) mais prestigiados para balizar um sólido programa de compliance, motivo inclusive de um artigo nesse website.

Existe um consenso de que as atualizações trazidas por essa nova versão do guia refletem o peso de diversas diretrizes seguidas pelo US DOJ, com uma participação bem mais modesta por parte da SEC.

Essa atualização do guia trouxe 5 (cinco) novas sessões, não existentes na versão anterior:

Relatórios Confidenciais e Investigação Interna
Melhoria Contínua: Testes e Revisão Periódica, Investigação, Análise
Investigação, análise e remediação de má conduta
A avaliação de programas de compliance corporativos e
Outras orientações sobre compliance e melhores práticas internacionais.

Daremos início a uma série de 7 (sete) artigos sobre as principais inovações, discutindo com profundidade, cada uma delas. Hoje, começaremos com:

1. Definição de instrumentalidades de governos estrangeiros

Foram adicionadas orientações sobre a definição de “instrumentalidades” de governos estrangeiros com relação à proibição da FCPA de fornecer algo de valor para influenciar indevidamente tais instituições.

O novo guia passou a definir uma “instrumentalidade” de um governo estrangeiro como uma instituição controlada pelo governo de um país estrangeiro que desempenha uma função que o governo controlador trata como sua própria. Essa definição surgiu por meio da decisão do Décimo Primeiro Circuito de 2014, no litígio entre Estados Unidos versus Joel Esquenazi.

O guia incorporou ainda os fatores utilizados pelo Décimo Primeiro Circuito para avaliar se uma instituição é uma instrumentalidade, inclusive considerando a classificação da instituição pelo governo estrangeiro e o valor dos lucros da instituição que fluem para o governo estrangeiro.

O caso citado acima, trata da ação resultante do suborno cometido por Joel Esquenazi e Carlos Rodriguez, que possuíam uma empresa de telecomunicações na Flórida que fazia negócios com a Telecommunications d’Haiti S.A.M., também conhecida como Teleco, mediante o pagamento de subornos. Além da violação do FCPA, também foram condenados por lavagem de dinheiro, sendo que Joel Esquenazi recebeu a pena de 15 anos de prisão, enquanto Carlos Rodriguez foi sentenciado a 7 anos de prisão. E essa decisão foi muito importante, pois estabeleceu os seguintes fatores para determinar a instrumentalidade da instituição como parte do governo:

  1. a designação formal do governo estrangeiro dessa instituição;
  2. se o governo tem participação majoritária na instituição;
  3. a capacidade do governo de contratar e demitir os diretores da instituição;
  4. até que ponto os lucros da instituição, se houver, vão diretamente para erário,
  5. a extensão em que o governo financia a instituição se ela é deficitária; e
  6. o período de tempo em que esses indícios existem.

Examinando a questão dentro do cenário brasileiro e considerando a definição de instrumentalidade, que nunca foi clara até o litígio referido acima, entidades da administração pública indireta, inclusive aquelas de direito privado e concessionárias de serviços públicos passam a estar sob a mira da FCPA, assim como parcerias público-privadas e parcerias de desenvolvimento produtivo, considerando a interpretação extensiva dada aos fatores acima.

É importante salientar o risco que se corre na interpretação ipsis litteris dos fatores anteriormente descritos, em uma tentativa de excluir determinada instituição dentre as citadas acima, considerando o amplo conceito de funcionário público, segundo a FCPA e a predisposição do US DOJ, SEC e das cortes norte-americanas no combate a subornos, especialmente no estrangeiro.

O guia também incentiva os programas de compliance corporativos a levarem em consideração a vedação de quaisquer tipos de suborno a essas “instrumentalidades” de governos. Não obstante, as companhias que possuem culturas consolidadas de ética e compliance, já determinam em suas políticas anticorrupção a proibição de subornos não apenas a funcionários públicos, mas também a indivíduos do setor privado; esta última uma prática condenável, desde 2010, pelo UK Bribery Act.

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