17.07.2020 – Dando sequência ao detalhamento das inovações trazidas pela revisão e reedição do guia de orientação da Lei Anticorrupção Norte-Americana (FCPA), passamos ao 2º (segundo) dos 7 (sete) artigos sobre o tema.

Por que 7 (sete) artigos? Porque as inovações relevantes são exatamente 7 (sete).

Neste artigo iremos discorrer sobre um tema outrora muito polêmico e que tanto o US DOJ, quanto a SEC estabelecem o seu ponto de vista, com respeito à sua interpretação e entendimento.

O Alcance Jurisdicional da FCPA

Com respeito a esse tema, o novo guia trouxe o mesmo conteúdo do guia de orientação original, lançado em 2012, ou seja:

“Uma empresa ou pessoa estrangeira pode ser responsabilizada por colaborar e estimular uma violação da FCPA ou por conspirar para violar a FCPA, mesmo que a empresa ou pessoa estrangeira não tenha agido para promover o pagamento corrupto, enquanto estiver no território dos Estados Unidos.”

Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act, First and Second Edition

O novo guia cita o caso Estados Unidos versus Hoskins para tratar dessa questão e, para tanto, vamos entender em detalhes do que se trata julgamento.

Lawrence Hoskins era funcionário da Alstom S.A. (“Alstom”), uma empresa global com sede na França, que fornece serviços de energia e transporte.

O governo dos Estados Unidos alegou que vários réus, dentre eles Hoskins, faziam parte de um esquema para subornar funcionários na Indonésia, para que sua empresa pudesse garantir um contrato de US$ 118 milhões do governo indonésio.

Durante tal período, Hoskins foi contratado pela subsidiária da Alstom no Reino Unido, mas foi designado para trabalhar em outra subsidiária chamada Alstom Resources Management, situada na França. Não obstante, o suposto esquema de suborno centrou-se na subsidiária americana da Alstom, Alstom Power, Inc. (“Alstom U.S.”), com sede em Connecticut, Estados Unidos.

As alegações eram de que a Alstom U.S. e vários indivíduos associados à Alstom S.A. contrataram dois consultores para subornar funcionários indonésios que poderiam ajudar a garantir o contrato de energia de US$ 118 milhões para a empresa e seus associados.

Hoskins nunca trabalhou diretamente para a Alstom nos EUA. Todavia, o governo alegou em sua acusação complementar que Hoskins, enquanto trabalhava na França para a Alstom Resources Management, era uma das pessoas responsáveis ​​por aprovar a seleção e autorizar pagamentos a consultores, sabendo que uma parcela dos pagamentos para os consultores teria sido destinada a funcionários públicos indonésios em troca de sua influência e assistência na concessão do contrato.

O governo alegou que várias partes do esquema ocorreram nos Estados Unidos. A acusação alegou ainda que um dos consultores mantinha uma conta bancária em Maryland. Em alguns casos, os fundos para subornos supostamente foram pagos em contas bancárias mantidas pela Alstom e seus parceiros de negócios nos Estados Unidos, e depositados na conta do consultor em Maryland, especificamente com o objetivo de subornar funcionários públicos indonésios.

A acusação também afirmou que vários executivos da Alstom Power, Inc realizaram reuniões nos Estados Unidos sobre o esquema de suborno e discutiram o projeto por telefone e e-mail enquanto presentes em solo americano. O governo admitiu que, embora Hoskins “repetidamente mandasse e-mails e ligasse para os co-conspiradores dos EUA sobre o esquema, enquanto estavam nos Estados Unidos, Hoskins não viajou para os Estados Unidos enquanto o esquema de suborno estava em andamento. A acusação apresentou 12 (doze) acusações contra Hoskins.

A questão que se colocava e de suma importância para definir o alcance da FCPA é se um cidadão estrangeiro que nunca tenha estado nos Estados Unidos ou que jamais tenha trabalhado para uma empresa americana seja responsabilizado, sob uma teoria da conspiração ou cumplicidade, por violar as disposições da FCPA que endereçam, nesse caso, pessoas e empresas americanas e seus agentes, executivos, diretores, funcionários, e acionistas, e pessoas fisicamente presentes nos Estados Unidos.

Eis que em 2018, o Segundo Distrito concedeu a anulação da acusação de violação da FCPA, alegando que Hoskins – um cidadão não norte-americano que estava empregado por uma subsidiária britânica da empresa francesa – não poderia ser responsabilizado por violar a FCPA, porque ele não estava nos EUA durante o crime, e ele não era funcionário, diretor ou acionista da subsidiária da Alstom nos EUA.

Todavia, após essa decisão do Segundo Distrito em 2018, o caso foi devolvido ao Tribunal Distrital e Hoskins foi julgado em novembro de 2019. O Departamento de Justiça conseguiu persuadir o júri de que Hoskins era um “agente” da subsidiária norte-americana por meio de evidências de que Hoskins agira em favor do empreendimento inadequado da subsidiária americana, e o fizera com seu conhecimento e consentimento.

Entretanto, na conclusão do julgamento, a defesa de Hoskins sustentou a sua absolvição, e o Tribunal contraditoriamente deu um passo incomum ao concedê-la. Embora o Tribunal tenha reconhecido as evidências apresentadas pelo governo e validadas pelo júri de que (1) Hoskins aderiu e executou as instruções da subsidiária norte-americana sobre a contratação de consultores no projeto em questão, e (2) esse era um empreendimento que a subsidiária dos EUA controlava, o Tribunal não encontrou nenhuma evidência sobre a qual pudesse concluir que o Sr. Hoskins concordou ou entendeu que a subsidiária dos EUA controlaria suas ações no projeto em questão.

E foi justamente em razão dessa decisão polêmica que o US DOJ e a SEC expuseram sua interpretação de que as limitações de alcance jurisdicional de Hoskins se aplicam apenas ao Segundo Distrito e observaram que “pelo menos um tribunal distrital de outro circuito já rejeitou o raciocínio que levou à absolvição de Hoskins.

Portanto, a interpretação final do US DOJ e da SEC é de que mesmo um esquema de corrupção no exterior sendo manipulado da matriz ou filial sediada nos EUA, funcionários, agentes ou acionistas estrangeiros participando do esquema serão alcançados por ela.

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