03.03.2022 – Um simples presente seria capaz de causar uma grande dor de cabeça para uma empresa? Dependendo da situação e das partes envolvidas, certamente!!!

Enquanto, em certas circunstâncias, um presente pode ser visto como um gesto de gentileza e cortesia com o próximo, em outras circunstâncias o mesmo presente, no mesmo valor, pode ser caracterizado como, no mínimo, um fator grave de conflito de interesses, podendo chegar à instrumentalização de um ato de corrupção.

Logo, qualquer organização que não estabeleça regras internas para normatizar o recebimento de presentes por parte de seus colaboradores e a oferta de presentes a terceiros, especialmente clientes e parceiros de negócios, corre um sério risco de se ver diante de alguma situação que venha a acarretar-lhe prejuízos de natureza financeira ou danos de natureza moral.

Aliás, diga-se de passagem que duas das funções mais em evidência na questão de presentes, são as assistentes de diretoria e gerência, e os profissionais da área de compras. Assistentes de diretoria e gerência chegam a receber como presentes passagens aéreas, estadas em hotel no Brasil ou no estrangeiro, programas de entretenimento, etc… pois, afinal, são essas as profissionais que acabam por vezes sugerindo a contratação e reservas de passagens aéreas e hoteis, principalmente, para os executivos a que assistem. Já os profissionais das áreas de compras, são aqueles que acabam determinando o fornecedor que irá prover bens ou serviços necessários para a empresa. Dependendo das normas internas e critérios pré-estabelecidos, a autonomia de decisão desses profissionais acaba ganhando muita relevância, passando a se tornar alvos de fornecedores mal intencionados, que não medem esforços para ganhar a cliente, independentemente de “comprar” a decisão do referido profissional.

Quando a empresa deixa de estabelecer critérios claros, transparentes e bem definidos, a subjetividade acaba trazendo um sério risco. Me faz lembrar da estória de um executivo que trabalhava em um setor de negócio extremamente corrupto e que após algum tempo trabalhando daquela forma, passou a considerar a corrupção como algo normal, que fazia parte da rotina de trabalho.

Mas diante dos riscos aventados acima, o que poderia ser feito? Para responder essa pergunta, sugiro a adoção de medidas sugeridas pela Transparência Internacional e também pelas Autoridades Francesas da AFA, no âmbito de aplicação da Lei Anticorrupção Francesa – Sapin II.

Com respeito à Transparência Internacional, são sugeridos os seguintes critérios a serem observados:

CritérioDefinição
Bona FideFeito pelo motivo certo: se for um presente ou hospitalidade, deve ser dado claramente como um ato de agradecimento; se despesas de viagem, para fins comerciais de boa fé .
Sem ObrigaçãoA iniciativa não criará nenhuma obrigação ou expectativa no beneficiário.
Sem Influência IndevidaA despesa não será vista como destinada ou capaz de obter influência indevida em relação a uma transação comercial ou compromisso de política pública.
Feito AbertamenteNão será realizado em segredo e será documentado – se não for, então o propósito pode se tornar questionável.
LegalidadeEstá em conformidade com as leis pertinentes.
Acordos com a percepção das partes interessadasA iniciativa não seria vista de forma desfavorável pelas partes interessadas se lhes fosse dada a conhecer.
ProporcionalO valor e a natureza da despesa não são desproporcionais à ocasião.
Em conformidade com as regras do beneficiárioO presente, hospitalidade ou reembolso de despesas atenderá às regras ou código de conduta da organização do beneficiário.
InfrequenteO dar ou receber presentes e hospitalidade não é muito frequente entre o ofertante e o beneficiário.
DocumentadoA despesa será totalmente documentada, incluindo finalidade, aprovações concedidas e valor.
RevisadoOs registros de despesas promocionais e a eficácia da política e dos procedimentos são revisados ​​pela administração com um relatório regular ao conselho ou a um comitê do conselho.

Com respeito às Autoridades Francesas da AFA, a mesma publicou o Guia de Presentes e Entretenimento, trazendo algumas recomendações muito importantes, começando pela elaboração de uma Política que estabeleça critérios bem definidos para normatizar presentes e entretenimento. Para tanto, sugere as seguintes recomendações:

1. Criar a definição e ilustrar exemplos de presentes e entretenimento.
2. Determinar os critérios legítimos de oferta e aceitação de presentes.
3. Listar as condições nas quais é possível ofertar ou aceitar presentes e entretenimento.
4. Definir as regras internas de aprovação e rastreabilidade.
5. Organizar as responsabilidades e os papeis de cada um.

Assim como a Transparência Internacional definiu acima alguns critérios para a oferta ou recebimento de presentes, a AFA também definiu os seguintes critérios abaixo:

1. são autorizados pela(s) lei(s) aplicável(is);
2. não são solicitados pelo beneficiário;
3. não visam obter compensação ou vantagem indevida;
4. não têm a intenção de influenciar uma decisão e, portanto, não são praticados em um momento estratégico (exemplo: licitação em andamento, assinatura de acordos, votação, concessão de autorizações, obtenção de contratos, modificação de legislação ou regulamentos, etc.);
5. o beneficiário não deve exercer um poder de decisão sobre uma decisão antecipada ou pendente que afete os interesses da organização;
6. são ocasionais no que diz respeito à atividade profissional;
7. não causam constrangimento se forem revelados publicamente;
8. são realizados dentro de um quadro estritamente profissional;
9. são registrados nos livros e registros da organização (exemplo: cadastro de brindes oferecidos e recebidos).

Finalmente, outro ponto a chamar a atenção, sobre o referido guia, é o estabelecimento de 4 níveis de controle, para garantir que os presentes não se transformem em instrumento de conflito de interesses ou de corrupção:

1. AutocontroleEfetuado pelo próprio colaborador.
2. Controle de Primeiro NívelEfetuado pelo superior hierárquico.
3. Controle de Segundo NívelEfetuado por controles internos ou pelo compliance officer.
4. Controle de Terceiro NívelEfetuado pela auditoria interna.

Portanto, não há desculpas para deixar de fazer a coisa certa. Basta haver o comprometimento com princípios éticos e o exemplo da alta gerência da empresa.

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