
11.12.2020 – Para muitas das indústrias farmacêuticas e de produtos médicos hospitalares, o mercado americano representa quase ou até mesmo mais de 50% do faturamento global, seguindo não apenas a tendência do poder de compra do cidadão americano, em uma sólida economia de mercado, mas também mediante o incentivo, em regra, da liberdade das empresas em estipular os preços para seus produtos.
Acredito que todo cidadão interessado nesse assunto deveria ler um artigo publicado por Sarah Kliff no website http://www.vox.com, sob o título The True Story of America’s sky-high prescription drug prices. O texto foi elaborado em 2018, mas não poderia ser mais atual, considerando o cenário presente. Sarah traça um paralelo, citando como exemplo o medicamento Humira, utilizado para o tratamento de artrite e psoríase. Se fosse comprado na Suíça, à época, custaria o equivalente a US$ 822.00. Se fosse comprado no Reino Unido, custaria em média o equivalente a US$ 1,362.00. Entretanto, caso o mesmo fosse comprado nos EUA, custaria US$ 2,669.00, ou seja, 2 vezes mais que no Reino Unido e 3 vezes mais que na Suíça, apesar de ser a mesma droga em qualquer um desses países.
Sarah sustenta que isso ocorre porque distintamente de outros países, os EUA não regulam ou negociam os preços dos novos medicamentos prescritos quando eles chegam ao mercado. No Brasil, por exemplo, existe regulação que prevê a checagem dos preços do respectivo medicamento em 9 países, aplicando-se aqui o preço mais baixo. Um desses países é os EUA. Pode parecer sem sentido incluir os EUA como um dos 9 países referência, já que seus preços são tão altos, mas existe “uma pegadinha do Faustão” nesta inclusão. Apesar de haver liberdade na estipulação de preços por parte das empresas, os EUA estabelecem uma regulação específica para o atendimento a veteranos de guerra, implicando na redução incisiva e consistente dos preços para esse público. E é exatamente nesse ponto que algumas empresas já enfrentaram problemas para fixar preço de medicamentos novos no Brasil, devido a preços bastante inferiores praticados para atender aos veteranos americanos, que possuem, inclusive, uma agência para defender seus interesses, sendo denominada US Department of Veteran Affairs.
O Governo americano, com o auxílio do Departamento de Justiça Norte-Americano (US DOJ), do Office of Inspector General – OIG que atua junto ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) e os Attorney Generals nos Estados, com base especialmente em duas leis denominadas False Claims Act e Anti-Kickback Statute, tem atuado fortemente no setor de saúde coibindo uma série de práticas que poderiam onerar indevidamente os programas federais de saúde: Medicare, Medicaid, Child, Tricare e Champs VA.
Com lançamento de produtos biológicos e medicamentos destinados a doenças raras, elevando os custos de planos de saúde privados e de custeio do governo a níveis estratosféricos, preço tem sido cada vez mais uma queda de braços entre a indústria e as autoridades.
Em 24 de julho de 2020, o presidente assinou ordens executivas sobre o preço dos medicamentos, orientando o secretário de Saúde e Serviços Humanos (HHS) a tomar várias medidas para oferecer aos pacientes americanos custos mais baixos de medicamentos prescritos, incluindo insulina e epinefrina, e garantir que os americanos obtenham o menor preço possível para suas drogas.
Em razão do exposto o HHS deverá:
1. Acabar com um sistema sombrio de incentivos por intermediários que se esconde por trás dos altos custos que muitos americanos enfrentam no balcão da farmácia. Sob esta ação, os idosos americanos receberão diretamente esses incentivos como descontos no Medicare Parte D. Em 2018, esses descontos da Parte D totalizaram mais de US$ 30 bilhões, representando um desconto médio de 26 a 30 por cento. |
2. Exigir que os centros de saúde qualificados pelo governo federal que compram insulinas e epinefrina no programa 340B repassem as economias dos preços dos medicamentos com desconto diretamente para pacientes clinicamente mal atendidos. Isso aumentará o acesso à insulina e epinefrina que salvam vidas para os pacientes que enfrentam custos especialmente altos entre os 28 milhões de pacientes que visitam os FQHCs – Federally Qualified Health Centers todos os anos, mais de seis milhões dos quais não têm seguro. |
3. Finalizar uma regra permitindo que os Estados desenvolvam planos de importação seguros para certos medicamentos prescritos. |
4. Autorizar a reimportação de produtos de insulina fabricados nos Estados Unidos se o Secretário considerar que a reimportação é necessária para atendimento médico de emergência de acordo com a seção 801 (d) da Lei de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos. |
5. Criar um caminho para a importação pessoal segura por meio do uso de isenções individuais para comprar medicamentos a custos mais baixos em farmácias pré-autorizadas nos EUA. |
6. Tomar medidas para garantir que o programa Medicare e os idosos não paguem mais pelos medicamentos Medicare Parte B mais caros do que qualquer país economicamente comparável da OCDE. |
Com o cerco pressionando cada vez mais, em 28 de setembro de 2020, o Governador da Califórnia, Gavin Newsom, assinou uma lei que permitirá ao Estado desenvolver sua própria linha de medicamentos genéricos, como insulina ou epinefrina prescritas, sendo esta a primeira lei do gênero no país. Isso significa que em pouco tempo, consumidores, na Califórnia, poderão comprar certos medicamentos genéricos fabricados pelo Estado, com a pretensão de forçar uma queda acentuada nos preços praticados naquele Estado. Se a moda pegar nos demais Estados, a indústria terá que rever urgentemente suas estratégias e orçamentos.
Eis que em 20 de novembro de 2020, os CMS – Centers for Medicare and Medicaid Services anunciaram um novo modelo de pagamento, o Modelo de Nação Mais Favorecida (MFN) (ou o “Modelo MFN”). O Modelo MFN reduzirá os custos dos medicamentos prescritos ao não pagar mais por medicamentos e produtos biológicos de alto custo do Medicare Parte B do que o preço mais baixo que os fabricantes de medicamentos recebem em outros países semelhantes. O Modelo MFN também pagará aos fornecedores um valor adicional fixo para cada dose de um medicamento MFN, em vez de uma porcentagem do custo de cada medicamento, removendo o vínculo entre o custo do medicamento e o valor agregado. Os beneficiários pagarão um copagamento menor por esses medicamentos da Parte B de alto custo e não pagarão o copagamento no pagamento complementar. O Modelo MFN exigirá a participação de provedores e fornecedores do Medicare que recebem pagamento separado de taxa por serviço do Medicare Parte B para os medicamentos incluídos no modelo, com algumas exceções.
Um dos principais gatilhos para o aumento dos gastos do Medicare são os preços crescentes dos medicamentos do Medicare Parte B administrados por médicos separadamente, que aumentaram em média 11,5% ao ano desde 2015, com gastos totais de aproximadamente US$ 30 bilhões em 2019.
Diferentemente do Brasil, que compara o preço solicitado para medicamentos novos com o preço de 9 países, segundo regulação da CMED – Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, o Modelo MFN irá comparar preços com todos os países integrantes da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que possui atualmente 36 Estados-Membros.
E como as empresas do setor de saúde tem visto a situação? Com muita preocupação, certamente. Exemplos da inquietação do setor, podem ser citados como a iniciativa da Pfizer em junho de 2020, de processar o governo americano, objetivando a permissão de poder pagar a parte do paciente na aquisição de seu medicamento, dentro do programa federal de saúde Medicare. Em 23 de novembro de 2020, a PhRMA – Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, juntamente com a Partnership for Safe Medicines (PSM) e o Council for Affordable Health Coverage (CAHC), entraram com uma ação no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, desafiando uma regra final emitida pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos EUA que permitiria aos farmacêuticos e atacadistas importar certos medicamentos prescritos do Canadá para os EUA sem supervisão ou autorização dos fabricantes de medicamentos.
Dessa forma, resta claro que as pressões para baixar preços neste setor nos EUA estão tirando o sono de acionistas e executivos do setor. Por outro lado, é insofismável que os preços praticados nos EUA destoam de qualquer outro país do mundo. O grande dilema, entretanto, é garantir a remuneração adequada de uma indústria que investe bilhões de dólares em drogas e produtos médicos hospitalares inovadores, necessitando remunerar acionistas para atrair investimentos e reinvestir em novas pesquisas para não ser engolida pelo mercado. Simpática ou não junto à opinião pública, não fossem as empresas sérias do setor de saúde, não teríamos a crescente expectativa de vida e o controle ou mesmo a cura de diversas doenças que tantas mazelas já causaram no passado.
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