
16.03.2020 – Nessa semana, me deparei com uma notícia na seção de economia do website http://www.uol.com.br, com o seguinte título: “Preço de álcool em gel e máscaras subiu até 161%; governo deveria tabelar?”. Tive a oportunidade, inclusive de ler um post na plataforma LinkedIn, no qual o autor manifestou a sua indignação.
Isso me fez lembrar uma passagem de um livro do Prof. Michael J. Sandel, denominado “Justiça – O que é fazer a coisa certa”. No livro, o Prof. Sandel faz uma narrativa acerca do furacão Charley que, em 2004, varreu a Flórida desde o Golfo do México até o Oceano Atlântico, matando 22 pessoas e causando USD$ 11 bilhões de dólares norte-americanos de prejuízo. Sacos de gelo, que eram vendidos em Orlando por USD$ 2 dólares norte-americanos, passaram a ser vendidos por USD$ 10 dólares norte-americanos. Sem energia em casa, muitas pessoas não tinham alternativa, senão pagar o preço cobrado.
Lojas de pequenos geradores domésticos que eram vendidos anteriormente por USD$ 250 dólares norte-americanos, eram vendidos por USD$ 2 mil dólares. Um morador estava indignado por ter que pagar USD$ 10,500 dólares norte-americanos para remover uma árvore que caíra sobre o seu telhado.
Além da Flórida ter uma lei contra preços abusivos, o procurador-geral do Estado – Charlie Crist manifestou-se ao afirmar: “- Estou impressionado com o nível de ganância que alguns certamente têm na alma ao se aproveitar de outros que sofrem em consequência de um furacão”.
De qualquer forma, ponderou o Prof. Sandel, que a posição do procurador-geral do Estado não era unânime, ou seja, diversos economistas saíram em defesa dos empresários, alegando que na época medieval, em que havia a troca de mercadorias, prevalecia o “preço justo de mercado”. Todavia, nas sociedades de mercado, os preços seriam fixados de acordo com a oferta e a procura, inclusive enfatizando o pensamento do economista Thomas Sowell, defensor do livre mercado, “considerando o termo “extorsão” aplicado, uma “expressão emocionalmente poderosa, porém economicamente sem sentido“.
Thomas ainda justificou o benefício do preço mais alto aos cidadãos da Flórida com o seguinte argumento: “- Preços mais altos de gelo, água engarrafada, consertos em telhados, geradores e quartos de motel têm a vantagem de limitar o uso pelos consumidores, aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias e os serviços de maior necessidade depois do furacão. Se um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto, os fabricantes de gelo considerarão vantajoso produzir e transportar mais. Não há nada injusto nesses preços“.
Outro comentarista econômico denominado Jeff Jacoby também criticou a lei para preços abusivos ao afirmar: “- Não é extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância, nem falta de pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma sociedade livre… a ira pública não é justificativa para que se interfira no livre mercado“.
A questão importada do livro do Prof. Sandel nos dá uma razoável dimensão acerca da discussão e da controvérsia que o aumento pontual dos preços causa em diferentes segmentos da sociedade.
Olhando para a questão do COVID-19 e o drástico aumento no preço do álcool em gel e no preço de máscaras, no Brasil, existe o enquadramento da questão no prisma legal e no prisma ético.
No prisma legal, não existe controle de preços sobre a venda de álcool em gel ou de máscaras… como, por exemplo, no segmento de medicamentos sujeitos à prescrição médica (muito recentemente, foi abolido o controle de preços sobre medicamentos isentos de prescrição – MIP ou medicamentos OTC (over the counter). Todavia, para os estudiosos do direito, possivelmente, tentar-se-ia argumentar com fundamento no Art. 39, V da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Certamente, uma discussão muito interessante, considerando os argumentos de lado a lado.
Outra alternativa legal para conter o aumento abrupto e relevante do preço, seria ser aprovada uma alteração na lei ou criação de uma lei, estabelecendo regras e limites no aumento de preços, por ocasião de motivos de força maior ou caso fortuito.
Sob o prisma ético, entretanto, é preciso examinar a questão sob 2 ângulos distintos:
- Primeiramente, o ângulo do empresário, que movido pela ética da responsabilidade em expandir e defender o seu negócio e fundamentado na “lei da oferta e da procura”, se vê obrigado a produzir mais para atender ao aumento abrupto da procura, sendo necessária a compra não apenas de matéria-prima, mas muitas vezes de bens de capital (máquinas e equipamentos), incluindo a necessidade de outros turnos de fabricação, inclusive em período noturno, com um aumento de custo na sua linha de produção.
- Em segundo, o altruísmo empresarial imparcial, no qual se busca a contribuição para o bem estar comum, que é a finalidade maior da ética. Daí, nasce a pergunta do porquê empresas investem em ações de responsabilidade social, já que, em princípio, tais ações geram um custo, sem uma contrapartida financeira pretendida. O fato é que empresas que já se enveredaram pelo caminho da sua responsabilidade com a sociedade, tiveram a sua contrapartida financeira no reconhecimento da própria sociedade, que também é consumidora dos seus bens ou serviços e no momento de decidir por uma compra, pesou em favor da empresa certamente a sua ação social.
Embora a questão suscite discussões a favor ou contrárias e embora o capitalismo permita a maximização dos lucros fundamentados na “lei da oferta e da procura”, eu conjugo do pensamento de que não se trata de uma “situação normal”, de livre mercado, quando a “lei da oferta e da procura” seria suficiente para justificar o posicionamento do empresário. Ainda que o empresário tenha todo o direito de repassar seu aumento de custo, em razão do que já fora exposto neste artigo, a maximização da sua lucratividade esbarra na coação da liberdade do consumidor em buscar um produto alternativo.
E se, em situações anormais, é preciso a intervenção estatal, que seja feita essa intervenção… mas não de maneira demagógica, impedindo o aumento integral do custo da mercadoria, pois, impor um ônus adicional ao empresário, com o seu aumento de custo (ex: horas extras, compras de equipamentos, etc…), seria injusto com o empresário e pernicioso para a sociedade, que não encontraria mais os produtos nas prateleiras de supermercados e farmácias; já que nenhum empresário sustentaria o negócio com prejuízo.
Por mais indignação que o tema cause a alguns, é preciso analisar a questão racionalmente, inclusive no que diz respeito às políticas públicas atinentes ao caso.
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