26.03.2020 – Combater corrupção, fraudes, lavagem de dinheiro e diversas outras irregularidades, sempre foi um grande desafio para governos, pois o Estado não possui todos os recursos humanos e financeiros para monitorar, investigar e detectar tais casos, como seria de se esperar.

A lei que foi um verdadeiro divisor de águas, no sentido de retirar o ônus da responsabilidade exclusiva do Estado na detecção de irregularidades, é norte-americana e chama-se Dodd-Frank Act; na verdade, um diminutivo do seu comprido nome Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, de autoria do Senador Chris Dodd e do Deputado Republicano Barney Frank, sancionada em 2010, na gestão do Presidente Barack Obama.

Vamos entender o porquê, a partir de agora… Primeiramente, um pouco de história.

HISTÓRIA – A GRANDE RECESSÃO

No fim de 2007, os EUA enfrentaram um dos momentos econômicos mais desafiadores de sua história, conhecido como a Grande Recessão.

A Grande Recessão esteve diretamente ligada à crise das hipotecas “subprime”, sendo certo que hipoteca é uma forma de garantia concedida por ocasião da compra de um imóvel financiado, na qual o imóvel se torna o bem em garantia para a aquisição do empréstimo. Já a hipoteca “subprime” era uma garantia concedida para a aquisição de imóveis financiados, por devedores com histórico de crédito ruim.

Ocorre que com o boom imobiliário no início do novo milênio nos EUA, as instituições financeiras passaram a não mais se preocupar com a capacidade de crédito dos potenciais compradores, procurando capitalizar altas somas com o aumento do preço das casas. Assim, instituições financeiras adquiriram de outras instituições financeiras milhares dessas hipotecas arriscadas como investimento, almejando lucros rápidos.

Eis que em fevereiro de 2007, a Federal Home Loan Mortgage Corporation anunciou que não compraria mais hipotecas subprime. A seguir, em abril de 2007, outro enorme credor de hipotecas “subprimes”, New Century Financial, declarou falência. Em agosto de 2007, a American Home Mortgage Investment Corp. tornou-se o segundo maior credor de hipotecas a quebrar sob a pressão da crise das “hipotecas subprime”.

Isso levou as agências de classificação de riscos Standard & Poor’s e a Moody’s a alterarem sua classificações de risco em mais de 100 títulos lastreados em hipotecas subprime. Paralelamente a isso, devido ao excesso de ofertas de novas casas no mercado, o valor dos imóveis descia ladeira abaixo, deixando os proprietários com um valor de empréstimo muito alto e incompatível com o valor venal dos seus imóveis que caía a cada mês. O que os levava a abandonar seus imóveis e parar o pagamento das hipotecas, pois perder os imóveis era mais vantajoso do que pagar os caros empréstimos.

Conjuntamente com essa situação, o índice Dow Jones despencou nos 18 meses subsequentes, causando perdas catastróficas a centenas de milhares de investidores, especialmente americanos.

Em seguida, o banco de investimentos Bear Stearns entrou em colapso, devido às hipotecas subprime e seus ativos foram adquiridos pelo banco JP Morgan Chase a um preço reduzido.

Meses depois, foi a vez do gigante Lehman Brothers declarar falência, também por causa das hipotecas subprimes, causando o maior pedido de falência da história dos EUA.

E coube ao presidente Barack Obama, ao assumir a presidência em janeiro de 2009, resgatar a economia norte-americana, ao assinar um “pacote de estímulo”, destinando USD$ 787 bilhões para o corte de impostos e o investimento em infra-estrutura, escolas , assistência médica e energia verde.

A Grande Recessão trouxe à tona o debate defendido por grandes economistas que argumentaram que a revogação, na década de 90, da Lei Glass-Steagall da era da Grande Depressão, no começo do século XX, contribuiu para as causas que culminaram na recessão.

Assim nasceu a lei Dodd-Frank Act!

DODD-FRANK ACT

A versão inicial do Dodd-Frank Act foi apresentada à Câmara dos Deputados norte-americana em julho de 2009 pela administração do presidente Barack Obama e foi então que o Senador Chris Dodd e o deputado Barney Frank introduziram novas revisões no projeto de lei em dezembro de 2009.

A Dodd-Frank Act nasceu oficialmente em julho de 2010, contendo centenas de páginas, 16 áreas principais de reforma e impondo regulamentos rígidos aos credores e aos bancos, em um esforço para proteger o mercado de uma nova recessão, além de criar algumas agências para monitorar o mercado.

As principais disposições do Dodd-Frank Act são listadas a seguir:

  1. Os bancos são obrigados a apresentar planos para cessar rapidamente suas atividades, caso se aproximem da falência ou fiquem sem dinheiro;
  2. As instituições financeiras devem aumentar suas reservas para responder a possíveis quedas futuras;
  3. Todo banco com mais de USD$ 50 bilhões em ativos deve fazer um “teste de estresse” anual, realizado pelo Federal Reserve, que pode ajudar a determinar se a instituição pode sobreviver a uma crise financeira;
  4. Conselho de Supervisão de Estabilidade Financeira (FSOC) identifica riscos que afetam o setor financeiro e mantém grandes bancos sob controle;
  5. Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) protege os consumidores contra as práticas comerciais corruptas dos bancos. Essa agência trabalha com reguladores bancários para impedir empréstimos arriscados e outras práticas que possam prejudicar os consumidores americanos. Ela também supervisiona agências de crédito e débito, bem como determinados empréstimos a consumidores e datas para pagamento;
  6. Office of Credit Ratings garante que as agências forneçam classificações de crédito confiáveis ​​àquelas avaliadas;
  7. A Regra de Volcker, em homenagem ao presidente do Federal Reserve, proibindo bancos de fazer determinados investimentos com suas próprias contas, como, por exemplo, no patrocínio de um fundo para seu próprio lucro, com poucas exceções; e
  8. Uma disposição de denúncia na lei incentiva qualquer pessoa com informações sobre violações a denunciá-la ao governo para obter uma recompensa financeira.

E é exatamente o ponto 8 acima que nos interessa, pois trata da criação do “soprador de apito” (whistleblower).

O SOPRADOR DE APITO (WHISTLEBLOWER)

Embora a figura do soprador de apito seja original de outra legislação denominada False Claims Act, que será motivo de um outro artigo, ela ganhou mais abrangência e notoriedade com o Dodd-Frank Act, já que a lei anterior tem como alvo apenas o segmento de cuidados com a saúde.

Finalmente, em 25 de maio de 2011, a SEC (Securities & Exchange Commission – Comissão de Valores Mobiliários norte-americana) editou suas regras finais para estabelecer um novo programa de denúncias, consolidado na Seção 922 do Dodd-Frank Act. Tais regras foram fundamentais para estimular a denúncia a ser feita por parte de qualquer cidadão ou grupo de cidadãos, inclusive empregado da própria empresa que esteja cometendo alguma violação das leis que protegem valores mobiliários. Por outro lado, não são elegíveis como denunciantes, membros ou empregados das agências norte-americanas, por razões óbvias quanto à sua potencial informação privilegiada.

Em tais regras destacam-se 2 pontos principais: (i) a recompensa financeira por uma denúncia relatando irregularidade cometida por uma empresa, dentro de algumas condições e (ii) a proteção contra retaliação em razão da denúncia, atribuindo ao mesmo sob pena de incorrer em multas altíssimas e obrigações de reintegrar o empregado.

Vejamos as condições para que a denúncia seja feita:

  1. Qualquer irregularidade que resulte em sanção acima de USD$ 1 milhão de dólares norte-americanos;
  2. A informação deve atender aos seguintes requisitos:
    • deriva do conhecimento independente ou análise de um denunciante;
    • não é de conhecimento da SEC por nenhuma outra fonte, a menos que o denunciante seja a fonte original da informação; e
    • não deriva exclusivamente de uma alegação feita em uma audiência judicial ou administrativa, em um relatório, audiência, auditoria ou investigação do governo ou a partir das notícias mídia, a menos que o denunciante seja a fonte de informações.

Em razão da denúncia, o denunciante é elegível a receber no mínimo 10% e no máximo 30% do total das sanções monetárias aplicadas à empresa infratora e a SEC deve levar em consideração o seguinte critério para determinar esse valor:

  1. A importância das informações fornecidas pelo denunciante para o sucesso da ação judicial ou administrativa;
  2. O grau de assistência prestado pelo denunciante na ação judicial ou administrativa;
  3. O interesse programático da SEC em deter violações;
  4. Fatores adicionais que a SEC poderá estabelecer por regra ou regulamento.

Vejamos agora o efeito notável que as denúncias tem causado na totalidade de investigações feitas pela SEC, estando as mesmas marcadas na figura abaixo como Tips:

E como fica o Brasil? Em breve falaremos a esse respeito…

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