
21.09.2020 – A gigante farmacêutica suíça Novartis fechou um acordo de US$ 11,8 milhões com o Procurador Geral do Estado da Califórnia, Xavier Becerra, em 14 de setembro de 2020, para encerrar uma investigação por suposta violação da False Claims Act, do Anti-Kickback Statute, leis federais norte-americanas, além da California False Claims Act, sendo essa uma lei estadual californiana, já que a empresa teria se envolvido em um esquema de propina com profissionais de saúde entre janeiro de 2002 a novembro de 2011, afetando beneficiários dos programas Medicare e Medical, onerando o governo federal norte-americano e o governo estadual da Califórnia, respectivamente.
Na verdade, a investigação teve supostamente como objeto o pagamento em dinheiro, refeições, bebidas alcoólicas, hoteis, viagens, entretenimento e pagamentos de honorários a HCPs que falaram ou participaram de eventos com palestrantes, mesas redondas e treinamento de palestrante da Novartis para induzi-los a prescrever medicamentos da Novartis, tais como, Lotrel, Valturna, Starlix, Tekamlo, Diovan HCT, Tektuna HCT e Exforge HCT, Diovan e Exforge. Tais prescrições teriam o custo de tais medicamentos cobertos pelos programas de saúde Medicare e Medical.
O acordo com a Novartis, apesar de fechado com o Procurador Geral do Estado da Califórnia, foi feito no âmbito do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova Iorque, em razão de uma denúncia feita por um whistleblower, mas que atingia o programa de saúde estadual da Califórnia, além do programa federal. Este acordo é parte do trabalho do Bureau de Fraude Medi-Cal e Abuso de Anciões do Departamento de Justiça da Califórnia (BMFEA).
Um dado interessante, que consta do acordo é que as políticas internas da Novartis permitiam roundtables incluindo jantar com um único médico recepcionado por um propagandista da empresa. Outro ponto que serve para reflexão, é a passagem que afirma que na avaliação de performance da força de vendas, os propagandistas eram avaliados pelo volume de recursos financeiros do orçamento que conseguiram utilizar nos esforços promocionais com a classe médica.
Outro ponto importante para determinar a responsabilização da Novartis, foi o fato de que propagandistas e seus gerentes tinham total autonomia para escolher os médicos que se tornariam palestrantes da empresa. E o critério de escolha dos mesmos, conforme foi evidenciado, era feito com base no alto volume de prescrição comprovado em relatórios de auditoria farmacêutica. São citados 3 casos, em que a Novartis pagou:
- US$ 320 mil de honorários para um médico que emitiu mais de 8 mil prescrições dos medicamentos referidos acima no período entre 2002 a 2011;
- US$ 220 mil de honorários para um médico que emitiu mais de 9 mil prescrições dos medicamentos referidos acima no período entre 2002 a 2011;
- US$ 200 mil de honorários para um médico que emitiu mais de 3,6 mil prescrições dos medicamentos referidos acima no período entre 2002 a 2011.
Algo que também merece reflexão, é a passagem que afirma que a força de vendas da Novartis nos EUA conduziu palestrantes e participantes de encontros médicos em alguns dos restaurantes mais caros dos Estados Unidos, tais como, Masa, Daniel, Gramercy Tavern, II Mulino, Babbo,
Peter Luger, Le Bernardin, e Eleven Madison Park em Nova Iorque;
Charlie Palmer’s em Washington, D.C.; Morton’s Steakhouse e the Four
Seasons em Chicago, Illinois; Joe’ s Stone Crab em Miami; Abacus, Nobu e
the Four Seasons em Dallas; Gary Danko em San Francisco; Patina e
Matsuhisa em Los Angeles; Grill 225 em South Carolina; e Commander’s
Palace em New Orleans.
Foram igualmente identificados mais de 12 mil eventos com palestrantes, envolvendo refeições, cujo custo por pessoa ultrapassou os US$ 125.00 previstos nas próprias políticas do programa de compliance da empresa. Chegou a ser identificado um evento no Ruth’s Chris Steakhouse em Pikesville, Maryland, em que se gastou US$ 448.00 por pessoa, outro evento no Skye Restaurant em Peoria, Arizona, cujo gasto foi de US$ 521.00 por pessoa e, finalmente, o evento no Danton’s Gulf Coast Seafood em Houston, Texas, cujo gasto foi de US$ 680.00 por pessoa.
Em alguns eventos, houve mínima discussão médica e em outros eventos, sequer houve alguma discussão médica. Identificados também pagamentos de honorários para palestrantes, em eventos que sequer existiram.
Em Long Island, pelo menos um representante de vendas organizou programas de palestrantes fraudulentos, fazendo com que um restaurante criasse recibos falsos para fazer parecer que um jantar havia acontecido e, em seguida, usou os fundos orçados para comprar cartões-presente que foram distribuídos para pessoas com alta receita médicos.
Além de tudo isso, foi identificado que havia a mensuração de retorno de investimento (ROI) nos programas com palestrantes e eventos médicos, baseando-se no aumento do número de prescrições dos medicamentos da empresa, incentivando a repetição de determinados médicos em novos eventos. Registros da Novartis demonstraram que mais de 19.235 médicos participaram de programas com exatamente o mesmo título, três ou mais vezes em um período de seis meses.
O fato é que a investigação demonstrou a necessidade de uma revisão profunda do programa de compliance da empresa, que já tinha recebido uma significativa melhora, após a assinatura de um Corporate Integrity Agreement – CIA em 2010. Todavia, é inegável que ainda há um bom trabalho de casa a ser feito.
Post Disclaimer
A informação contida nesse site pode ser copiada ou reproduzida, sem necessidade de consentimento prévio do autor. Quando possível, o autor solicita a colaboração em citar a fonte dos dados.