28.04.2020 – Qualquer estudioso de ética e compliance e mesmo aqueles amantes de uma boa estória não podem ignorar o que se passou com a empresa de energia norte-americana Enron, em 2002.

A Enron foi criada em julho de 1985, quando a Houston Natural Gas, com sede no Texas, se fundiu com a InterNorth, que era uma empresa de gás natural com sede em Nebraska. No início, a nova empresa não era nada além do que simplesmente uma fornecedora de gás natural, mas em 1989, a mesma começou a comercializar commodities de gás natural e, finalmente, em 1994, começou a comercializar eletricidade.

Em 1986, Kenneth Lay (Ken Lay), ex-Chief Executive Officer – CEO da Houston Natural Gas, foi nomeado Chief Executive Officer – CEO e Chairman da nova empresa.

Inicialmente, Ken Lay conseguiu captar investimentos com empresários do ramo do petróleo em Nova Iorque da ordem de US$ 1 bilhão apenas em 1987. Já no ano seguinte, a Enron abria sua primeira sede no exterior, mais especificamente na Inglaterra.

A empresa introduziu uma série de mudanças revolucionárias estimuladas pela natureza altamente mutável dos mercados de energia, que estavam sob processo de desregulamentação no final da década de 80 e, assim, abrindo as portas para novos players de energia. A Enron adaptou os contratos de eletricidade e gás natural para refletir o custo da entrega futura a um destino específico – criando, pela primeira vez, uma rede de comércio de energia em nível nacional (e, finalmente, global).

A desregulamentação do mercado de energia permitiu que as empresas apostassem em preços futuros, e a Enron se mostrava pronta para tirar vantagem disso.

Em 1989, a Enron contratou Jeffrey Skilling e lançou o Gas Bank, um programa no qual os compradores de gás natural poderiam garantir suprimentos de longo prazo a preço fixo e ao mesmo tempo, começou
a oferecer financiamento para os produtores de petróleo e gás.

Em 1990, Ken Lay criou a Enron Finance Corporation e nomeou Jeffrey, cujo trabalho como consultor da McKinsey & Company havia impressionado Lay, como chefe da nova corporação. Jeffrey era um dos sócios mais jovens da McKinsey à época.

A Enron Corporation adquiriu a Transportadora de Gas del Sur, maior extratora de gás natural da Argentina e expandiu seus negócios na América do Sul, em 1992. Na Inglaterra, após um ano, a usina de Teesside da Enron iniciou suas operações como um dos primeiros sucessos da estratégia internacional da Enron. A corporação realizou suas primeiras transações com eletricidade em 1994 e nos anos seguintes, a eletricidade transformou-se em um dos mais lucrativos negócios para a Enron.

Em 1999, a empresa lançou o Enron Online, um sistema baseado na Internet, e em 2001 estava executando operações online no valor de cerca de US$ 2,5 bilhões por dia.

No final do século, a Enron havia se tornado uma das empresas mais bem-sucedidas do mundo, registrando um aumento de 57% nas vendas entre 1996 e 2000. No seu auge, a empresa chegou a controlar mais de 25% do mercado de balcão de energia – isto é, negociações realizadas entre partes e não através de uma bolsa de valores, como a Bolsa Mercantil de Nova Iorque, por exemplo. As ações da Enron atingiram uma alta de 52 semanas alcançando US$ 84,87 por ação, na última semana de 2000. Todavia, os analistas não estavam confortáveis com parte do balanço patrimonial apresentado pela Enron.

No final dos anos 90, a Enron havia começado a transferir grande parte de suas obrigações de dívida para empresas parceiras no exterior – muitas criadas pelo Chief Finance Officer – CFO, Andrew Fastow. Ao mesmo tempo, a empresa reportava receitas comerciais imprecisas. Alguns dos esquemas utilizavam terceiros atuando como intermediários em uma negociação contratual, vinculando um comprador e um vendedor para um contrato futuro e contabilizando a venda inteira como receita da Enron; receita essa absolutamente incerta, visto que a mesma poderia não se concretizar. A Enron também estava usando suas parceiras para vender contratos para si mesma e registrar receitas a cada vez.

A Enron também começou a diversificar seus negócios no mercado virtual, negociando papel para jornal, publicidade em televisão, seguros de risco e até conexão à internet, em contratos, chamados de derivativos que foram vendidos a investidores. A Enron investiu bilhões nesses empreendimentos comerciais, e alguns fracassaram. Na verdade, a Enron era boa em inventar negócios, mas péssima em administrá-los. Dentre essas iniciativas, destaca-se uma joint venture com a Blockbuster para alugar filmes online. O acordo fracassou oito meses depois. Enquanto isso, a Enron havia secretamente estabelecido uma parceria com um banco canadense. O banco emprestou à Enron US$ 115 milhões em troca dos lucros da empresa no empreendimento cinematográfico nos primeiros dez anos. O acordo da Blockbuster nunca gerou um centavo, mas a Enron considerou o empréstimo canadense como um bom lucro.

Em fevereiro de 2001, Jeffrey Skilling, Chief Operating Officer – COO, assumiu a posição de Chief Executive Officer – CEO da Enron, enquanto o ex-CEO Ken Lay permaneceu como Chairman. Em agosto do mesmo ano, porém, Jeffrey renunciou surpreendente e abruptamente e Ken retomou o cargo de CEO. A essa altura, Ken recebera um memorando anônimo de Sherron Watkins, uma vice-presidente da Enron que estava preocupada com as parcerias de Andrew Fastow e que alertou para possíveis escândalos contábeis. Sherron foi eleita pela revista Time, como uma das 3 personalidades do ano pela revista Time, em 2002.

Com a abundância de rumores sobre os problemas da Enron, a empresa chocou os investidores em 16 de outubro de 2001, quando anunciou que registraria uma perda de US$ 638 milhões no terceiro trimestre e uma redução de US$ 1,2 bilhão no patrimônio líquido devido em parte às parcerias de Andrew Fastow. Ao mesmo tempo, alguns funcionários da Arthur Andersen LLP, auditores da Enron, começaram a destruir documentos relacionados às auditorias da Enron. É importante salientar que a Arthur Andersen não só prestava serviços de consultoria, como também era a empresa contratada para fazer a auditoria, em um absoluto conflito de interesses, que, por sinal, era permitido pela legislação à época.

Não menos importante, é o conflito de interesses existente até hoje em que uma empresa contrata uma empresa de auditoria “independente” e remunera essa empresa para a emissão de um relatório de auditoria. Logicamente, que a empresa de auditoria é incentivada em razão disso a não causar problemas em seu relatório.

Em 22 de outubro de 2001, a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC) iniciou uma investigação sobre a Enron e as suas parceiras. Andrew Fastow foi forçado a sair, enquanto Ken começava a ligar para autoridades do governo, incluindo o presidente do Federal Reserve Alan Greenspan, o secretário do Tesouro Paul O’Neill e o secretário de Comércio Donald Evans. Em alguns casos, disseram as autoridades que Ken estava simplesmente informando-os sobre os problemas da Enron, mas supostamente, Ken chegou a pedir a Donald Evans para intervir no Serviço de Investidores da Moody, que estava considerando rebaixar os títulos da Enron para status de não-investimento. Donald Evans recusou-se.

Em 8 de novembro de 2001, a Enron revisou suas demonstrações financeiras dos cinco anos anteriores, reconhecendo que, em vez de obter lucros, na verdade havia registrado US$ 586 milhões em perdas. O valor de suas ações começou a cair, chegando a um valor abaixo de US$ 1 por ação, até o final de novembro e as mesmas foram retiradas do mercado, em 16 de janeiro de 2002.

Em 9 de novembro de 2001, a empresa de energia rival Dynegy Inc. disse que compraria a empresa por US$ 8 bilhões em ações. No final do mês, no entanto, a Dynegy desistiu do acordo, citando o rebaixamento da Enron para o status de “junk bond” e continuando com as irregularidades financeiras, a Enron havia acabado de divulgar que estava tentando reestruturar uma obrigação de US$ 690 milhões.

Em 2 de dezembro de 2001, a Enron, que um ano antes fora apontada como a sétima maior empresa nos EUA, entrou com um pedido de proteção contra falência no Capítulo 11 e processou a Dynegy por rescisão indevida da falha na aquisição. Um mês depois, Ken renunciou e a Casa Branca anunciou que o Departamento de Justiça havia iniciado uma investigação criminal contra a Enron e seus executivos.

Em meados de 2002, a outrora poderosa empresa estava esfacelada e levou consigo a sua empresa de auditoria, Arthur Andersen. O negócio de comércio de energia da Enron havia sido vendido ao banco europeu UBS Warburg em janeiro de 2002. Durante toda a primavera, funcionários da Enron foram intimados a testemunhar diante das audiências do Congresso. A maioria dos funcionários da Enron estava desempregada e seus planos de benefícios haviam se tornado quase inúteis. Em junho de 2002, a Arthur Andersen foi condenada em um tribunal federal por obstrução à justiça.

Para completar a série de irregularidades, toda a alta gerência da Enron foi acusada de vender suas ações, momentos antes do escândalo vir a público, lucrando sobremaneira com tal iniciativa.

Kenneth Lay foi condenado por todas as seis acusações de valores mobiliários e fraudes eletrônicas pelas quais ele havia sido julgado e poderia ter enfrentado uma sentença total de até 45 anos de prisão; no entanto, ele morreu de um ataque cardíaco em 5 de julho de 2006, antes da sentença, em sua casa em Snowmass, perto de Aspen, no Colorado. Consequentemente, o juiz abandonou a condenação de Ken em 17 de outubro de 2006, desde que ele morreu antes de ser sentenciado e antes que todos os recursos pudessem ser esgotados.

Jeffrey Skilling foi condenado em 19 das 28 acusações de fraude de valores mobiliários e de fraude eletrônica e absolvido nos nove restantes, incluindo acusações de abuso de informação privilegiada. Ele foi condenado a 24 anos e 4 meses de prisão e não poderia ser libertado antes de cumprir menos de 20 anos e 4 meses. Além disso, ele foi condenado a pagar US$ 630 milhões ao governo, o que inclui uma multa de US$ 180 milhões. Entretanto, em 21 de junho de 2013, um juiz federal reduziu a sentença de Jeffrey em mais de 10 anos. Em troca, Jeffrey concordou em parar de contestar sua condenação e perdeu cerca de US$ 42 milhões, que foram distribuídos entre as vítimas da fraude da Enron.

Em 25 de janeiro de 2002, o vice Chairman John Clifford Baxter não suportou a pressão, suicidando-se com um tiro na têmpora direita, dentro de sua Mercedes-Benz 500 preta.

Quando a empresa declarou falência em dezembro de 2001, os investidores perderam milhões, levando o FBI e outras agências federais a investigar. Esse caso foi considerado o caso de fraude mais complexo já investigado pelo FBI até hoje.

A magnitude do caso levou à criação da Força-Tarefa Enron, composta por investigadores e analistas do FBI, da Divisão de Investigação Criminal do Serviço da Receita Federal (IRS – Criminal Division), da Comissão de Valores Mobiliários (SEC) e da promotoria do Departamento de Justiça (US DOJ).

Os agentes realizaram mais de 1.800 entrevistas e coletaram mais de 3.000 caixas de evidências e mais de quatro terabytes de dados digitalizados. Mais de US$ 164 milhões foram apreendidos; e foram utilizados cerca de US$ 90 milhões para ajudar a compensar as vítimas. Vinte e duas pessoas foram condenadas por suas ações relacionadas à fraude.

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