
10.04.2020 – O título sugestivo conota a realidade de muitas organizações, com finalidade de lucro ou não, que pretendem implementar uma cultura de compliance e começam mal…
O staff de compliance deve atuar sempre como um facilitador na consolidação da cultura de compliance da organização. E uma das prerrogativas para tal, deve ser a indepedência do mesmo. Quanto mais independente, melhor certamente será o seu papel na consolidação de um programa sólido de compliance.
Segundo o Departamento de Inspeção Geral (OIG) dos Estados Unidos, devem ser atribuições de um compliance officer:
- Supervisionar e monitorar a implementação e a operação contínua do programa de compliance;
- Reportar regularmente ao departamento de governança, CEO e comitê de compliance;
- Revisar o programa de compliance periodicamente, conforme apropriado;
- Desenvolver, coordenar e participar de um programa educacional e de treinamento multifacetado;
- Assegurar que terceiros estejam cientes dos requisitos do programa de compliance da organização;
- Garantir que sejam realizadas verificações apropriadas de antecedentes para banir indivíduos e terceiros sancionados (due diligences);
- Dar assistência nas atividades de auditoria e monitoramento; e
- Proceder a investigações independentes e atuar em questões relacionadas à compliance.
Portanto, para que o compliance officer possa desempenhar o seu papel com maestria, primeiramente, é necessário que o mesmo tenha um nível hierárquico compatível com os maiores níveis da hierarquia na organização. Do contrário, o mesmo mostrar-se-á acuado, quando deparar-se com alguém hierarquicamente superior cometendo alguma irregularidade.
Além disso, subordinar o compliance officer ao Diretor Jurídico (General Counsel) ou ao Diretor Financeiro (CFO – Chief Finance Officer) é um erro crasso. E geralmente esse tipo de estrutura ocorre não por ignorância ou inexperiência, mas intencionalmente por gestores da alta gerência que não querem perder poder ou mesmo o controle sobre as questões de compliance; especialmente se algo atingir suas respectivas áreas.
Mas o que será que acaba por conflitar com a atuação do compliance officer em uma estrutura como essa? Duas das principais atribuições do compliance officer: monitoramento (oversight) e investigação (investigation).
A transparëncia e a eficácia da atuação do compliance officer podem ser seriamente comprometidas nesse tipo de estrutura, em razão de, existindo boa-fé, questões de natureza política, “estrelismo”, etc… e existindo má-fé, um malfeitor estar sentado na alta gerência da organização.
O melhor cenário, seria certamente o compliance officer ocupar uma posição na diretoria da empresa, subordinando-se em uma linha de comando ao presidente do Conselho Executivo (chairman). Dessa forma, ele não teria qualquer impedimento ou intimidação por parte do Diretor Jurídico, do Diretor Financeiro ou mesmo do Presidente Executivo da empresa, tendo absoluta autonomia para desempenhar o seu papel. Entretanto, esse cenário só é comportado por empresas de grande porte que possuem um Conselho Executivo (Non Executive Board).
Em empresas onde não existe um Conselho Executivo, a estrutura mais adequada, é o reporte direto do compliance officer ao Presidente Executivo da empresa. Sujeitar o compliance officer a ser subordinado a um Diretor Jurídico ou a um Diretor Financeiro é arriscar a adoção de uma cultura de compliance “prá inglês ver”. Não se trata de nenhum demérito a esses dois profissionais de muito valor para qualquer empresa, mas de um potencial comprometimento de importantes atribuições de um compliance officer: monitoramento e investigação.
Em governos, o papel de compliance officer é geralmente exercido por um corregedor ou ouvidor. E aqui a questão é um tanto quanto mais complexa. No Governo brasileiro, por exemplo, existe um suposto equilíbrio entre os poderes executivo, legislativo e judiciário. O Poder Judiciário exerce o controle dos atos administrativos do Poder Executivo e administrativos e legislativos do Poder Legislativo, julgando ilegalidades e inconstitucionalidades. O Poder Legislativo exerce o controle do Poder Executivo, por meio do Tribunal de Contas da União – TCU. O Poder Executivo, tem a atribuição de conduzir a Nação e implementar as medidas necessárias ao seu desenvolvimento.
Entretanto, o Poder Executivo precisa delimitar melhor as atribuições dos seus órgãos de monitoramento de desvios de conduta: a Comissão de Ética Pública – CEP e a Corregedoria Geral da União – CGU . A diferença principal entre elas é que a CEP verifica os desvios de conduta do servidor dentro e fora do horário e do ambiente de trabalho, enquanto que à CGU cabe a apuração de faltas cometidas em razão do trabalho. As dúvidas vão desde a competência dos 2 órgãos para apurar desvios de conduta no horário de trabalho, até para saber o alcance da CEP, se a má-conduta do servidor, fora do horário e do ambiente de trabalho, não estiver condicionada à sua função pública. Basta ser feita uma pesquisa entre os funcionários públicos brasileiros indagando qual o papel dos dois órgãos e a resposta mostrará que algo precisa ser feito.
A adoção da Portaria CGU 57/2019 instituindo a necessidade de estruturação, execução e monitoramento de programas de integridade foi um importante passo, na criação de uma cultura pública de compliance. Todavia, uma avaliação de risco (algo pouco comum no setor público) seria mais adequada do que uma auditoria interna para avaliar a eficácia dos programas de integridade dos diversos órgãos públicos que foram criados.
O fato é que ouvidores, corregedores ou qualquer posição que exerça a função de um compliance officer deveriam seguir igualmente algumas cautelas, ou seja, o reporte deveria ser centralizado em um órgão à parte reportando-se diretamente a um colegiado, com a participação obrigatória do Presidente da República; ao invés de se reportarem para presidentes de órgãos, autarquias e fundações públicas.
Post Disclaimer
A informação contida nesse site pode ser copiada ou reproduzida, sem necessidade de consentimento prévio do autor. Quando possível, o autor solicita a colaboração em citar a fonte dos dados.
Você precisa fazer log in para comentar.