10.07.2023 – É de conhecimento de todos que a corrupção, em maior ou menor grau, acaba atingindo todos os países, inclusive aqueles que, segundo a ONG Transparência Internacional, através da publicação anual do seu Corruption Perceptions Index, possuem uma condição muito vantajosa onde a corrupção é bem menos frequente, ao serem comparados a outros, onde a corrupção é um mal sistêmico.

O fato é que nem o Vaticano está livre de corrupção. Aliás, diga-se de passagem que a igreja católica apostólica romana vem lutando nos últimos anos contra 2 (dois) grandes males: (i) a corrupção e (ii) o exploração de menores (denominado no Brasil de estupro de vulneráveis).

Um exemplo dessa luta, foi o documento publicado pelo Papa Francisco em 29 de abril de 2021 e intitulado ““A Instrução sobre a Administração e Gestão das Atividades Financeiras e Liquidez da Santa Sé e das Instituições ligadas à Santa Sé”, 29.04.2021”, que trouxe novas regras muito apropriadas para regular conflito de interesses e endereçadas aos líderes religiosos do Vaticano, inclusive todos os cardeais, segundo anunciado à época pela empresa de comunicação italiana RAI. Aliás, o documento foi subsequente ao código de compras aprovado pelo próprio Papa Francisco no ano anterior.

O documento se inicia com a obrigação daqueles que exercem cargos de gestão na Igreja de preencher e assinar uma declaração atestando que não respondem por condenações definitivas por delitos dolosos no Estado da Cidade do Vaticano ou no exterior, especialmente, crimes de participação em uma organização criminosa; corrupção, fraude, terrorismo ou a ligados a atividades terroristas, lavagem de dinheiro proveniente de atividades criminosas, exploração de menores, formas de tráfico ou exploração de seres humanos, evasão ou fraude fiscal e que também não se beneficiaram de indulto, anistia, perdão e outras providências similares ou foram absolvidos dos mesmos em razão de prescrição. Eis a íntegra do documento:

Carta Apostólica em forma de «Motu Proprio»
do Sumo Pontífice Francisco
contendo disposições sobre transparência na gestão das finanças públicas
A fidelidade nas pequenas coisas está relacionada, segundo as Escrituras, à fidelidade nas coisas importantes. Assim como ser desonesto em coisas de pouca importância está relacionado com ser desonesto também em coisas importantes (cf. Lc 16,10).
A Santa Sé, ao aderir à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), decidiu cumprir as melhores práticas para prevenir e combater a corrupção em suas diversas formas. Já com a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio de 19 de maio de 2020, que contém “Regulamento sobre a transparência, controle e concorrência dos contratos públicos da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano”, foram estabelecidas salvaguardas fundamentais na luta contra a corrupção no domínio dos contratos públicos. A corrupção, no entanto, pode se manifestar de diferentes maneiras e formas, mesmo em outros setores que não o de compras e, por isso, os regulamentos e as melhores práticas em nível internacional fornecem aos sujeitos que ocupam papéis-chave no setor público obrigações específicas de transparência com o objetivo de prevenção e combate, em todos os setores, de conflitos de interesse, métodos de apadrinhamento e corrupção em geral.
Considerando que aqueles que trabalham nos Ministérios administrativos da Cúria Romana, nas instituições ligadas à Santa Sé, ou a ela referentes, e nas administrações do Governo do Estado da Cidade do Vaticano, têm a particular responsabilidade de concretizar a fidelidade de que fala o Evangelho, agindo de acordo com o princípio da transparência e na ausência de qualquer conflito de interesses, estabeleço o seguinte:
§1 No Regulamento Geral da Cúria Romana, após o artigo 13.º, é inserido o artigo seguinte «Artigo 13.º bis.
§1 As pessoas classificadas ou a classificar nos níveis funcionais C, C1, C2 e C3, incluídos os Cardeais Chefes de Ministérios administrativos ou Dirigentes de Entidades, bem como os que exerçam funções de administração jurisdicional ativa ou de controle e supervisão referidas no § 2, incluindo as pessoas a que se referem os artigos 10, 11 e 13 § 1 deste Regulamento e 20 do Regulamento para os dirigentes leigos da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano, devem assinar ao assumir o cargo ou missão e, a cada dois anos, um declaração em que certificam:
a) não ter recebido condenações definitivas por delitos dolosos no Estado da Cidade do Vaticano ou no exterior e não ter se beneficiado em relação aos mesmos de indultos, anistias, perdões e outras disposições semelhantes ou ter sido por eles absolvido por prescrição;
b) não estar sujeito a processo-crime pendente ou, na medida do conhecimento do declarante, a inquérito por crimes de participação em organização criminosa; corrupção; fraude; terrorismo ou relacionado a atividades terroristas; lavagem de dinheiro proveniente de atividade criminosa; exploração de menores, formas de tráfico ou exploração de seres humanos, evasão ou elisão fiscal.
c) não deter, mesmo por meio de terceiros, dinheiro ou investimentos, incluindo participações ou interesses de qualquer natureza em sociedades e negócios, em países incluídos na lista de jurisdições com alto risco de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo, conforme identificado por uma disposição da Autoridade de Supervisão e Informações Financeiras, salvo se o declarante ou seus parentes consanguíneos até ao terceiro grau residirem nesses países ou neles tiverem estabelecido domicílio por motivos comprovados de família, trabalho ou estudo;
d) que todos os bens, móveis e imóveis, de propriedade ou mesmo apenas detidas pelo declarante ou os honorários de qualquer natureza recebidos por este, tanto quanto seja do conhecimento do declarante, provenham de atividades lícitas e não constituam produto ou lucro de um crime;
e) não deter, tanto quanto seja do conhecimento do declarante, participações ou interesses de qualquer natureza em sociedades ou negócios que operem com fins e setores contrários à Doutrina Social da Igreja;
f) não deter, ainda que por intermédio de terceiros, recursos ou investimentos, inclusive participações ou interesses de qualquer espécie em sociedades e negócios, nos países incluídos na lista de jurisdições não cooperantes para fins fiscais identificados por disposição da Secretaria da Economia, salvo se o declarante ou os seus parentes consanguíneos até ao terceiro grau residirem nesses países ou neles tiverem estabelecido domicílio por motivos familiares, de trabalho ou de estudo e tais disponibilidades tenham sido declaradas às autoridades fiscais competentes.
§2º Funções administrativas ativas são aquelas que envolvam participação em processos que determinem a assunção de compromissos econômicos de qualquer natureza pela Entidade. As funções judiciais referidas no n.º 1 são apenas as funções judiciais. O n.º 1 não se aplica ao pessoal de apoio dos órgãos de supervisão e controle. Com a provisão do Gabinete do Auditor Geral como autoridade anticorrupção, são identificados os cargos e funções aos quais as obrigações de relatórios se aplicam com base neste parágrafo.
§3º A declaração a que se refere o § 1º é mantida pela Secretaria da Economia no processo individual do declarante. Uma cópia do mesmo é enviada, no que lhe diz respeito, à Secretaria de Estado.
§ 4. Sempre que tiver motivos razoáveis, a Secretaria da Economia, valendo-se das estruturas para isso constituídas na Santa Sé ou no Estado da Cidade do Vaticano, poderá verificar a veracidade das declarações apresentadas.
§5º Sem prejuízo das hipóteses de responsabilidade criminal, a omissão de declaração ou a prestação de declarações falsas ou mentirosas constituem infração disciplinar grave, nos termos do art. 76, §1º, n. 2) e legitimam a Santa Sé a requerer os danos sofridos».
§2 No artigo 40.º, n.º 1, do Regulamento Geral da Cúria Romana, é inserida a seguinte letra após a letra m): «n) aceitar ou solicitar, para si ou para súditos estranhos à Entidade em que prestam serviço , a título oneroso ou por ocasião de ofício, brindes, presentes ou outras utilidades de valor superior a quarenta euros”.
§3 O Governo do Estado da Cidade do Vaticano, os Tribunais do Estado da Cidade do Vaticano e as Entidades incluídas na lista a que se refere o artigo 1, §1 do Estatuto do Conselho para a Economia a que se aplica o Regulamento Geral da Cúria Romana devem prever a modificação de seus regulamentos de pessoal, de maneira consistente com as disposições dos parágrafos 1 e 2, no prazo de noventa dias a partir da entrada em vigor deste Motu Proprio.
Disponho que o estabelecido tem valor imediato, pleno e estável, revogando também todas as disposições incompatíveis, e que esta Carta Apostólica em forma de Motu Proprio seja publicada no “L’Osservatore Romano” de 29 de abril de 2021 e posteriormente nos Acta Apostolicae Sedis.
Feito em Roma, perto de São Pedro, em 26 de abril de 2021, nono Pontificado.
FRANCISCO

Além disso, após os escândalos relatados pelo Wikileaks, envolvendo inclusive um luxuoso edifício em Londres em que o cardeal italiano Dom Angelo Becciu e mais oito pessoas foram indiciadas e são rés no que é considerado o maior processo por corrupção e estelionato na história do Vaticano, e especialmente os negócios obscuros envolvendo o IOR (Istituto per le Opere di Religione), o Papa Francisco adotou medidas para reabilitar a credibilidade do instituto, deixando a gestão das finanças do Vaticano somente sob a tutela do instituto.

Para tanto, o Papa Francisco editou em 19 de março de 2022 um Rescrito intitulado “A Instrução sobre a Administração e Gestão das Atividades Financeiras e Liquidez da Santa Sé e das Instituições ligadas à Santa Sé”, cujo texto segue abaixo:

RESCRIPTUM EX AUDIENTIA SS.MI: Rescrito do Santo Padre Francisco sobre a Instrução para a Administração e Gestão das Atividades Financeiras e Liquidez da Santa Sé e das Instituições ligadas à Santa Sé
RESCRIPTUM EX AUDIENTIA SS.MI
Instrução para a Administração e Gestão das Atividades Financeiras e Liquidez da Santa Sé e das Instituições ligadas à Santa Sé.
O Santo Padre Francisco, na audiência concedida ao Secretário de Estado em 22 de agosto, decidiu emitir a presente Instrução sobre a administração e gestão das atividades financeiras e de liquidez da Santa Sé e das instituições a ela vinculadas.
O Santo Padre estabeleceu que tem a natureza de uma interpretação autêntica das disposições vigentes e tem força firme e estável, não obstante qualquer coisa em contrário, mesmo que anterior ao Rescrito ou especificamente referente a assuntos especiais.
O n.º 3 do artigo 219.º da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, de 19 de março de 2022, deve ser interpretado no sentido de que a atividade de gestora de bens e depositária do patrimônio móvel da Santa Sé e das Instituições ligadas à Santa Sé pertence exclusivamente ao Instituto para as Obras de Religião.
A Santa Sé e as Instituições associadas à Santa Sé que sejam titulares de ativos financeiros e liquidez, sob qualquer forma que sejam detidos por Instituições Financeiras que não o IOR devem informar o IOR e transferi-los para ele o mais rápido possível dentro 30 dias a partir de 1º de setembro de 2022.
Entra em vigor imediatamente mediante publicação no Osservatore Romano. Quaisquer atos anteriormente adotados em desconformidade devem ser tornados conformes com estas instruções.
FRANCISCO
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