05.10.2020 – A vida definitivamente não anda fácil para a indústria farmacêutica, nos diferentes mercados. Não bastasse a contínua pressão de governos para a redução dos preços dos medicamentos, a interação com profissionais de saúde, organizações de saúde e agentes públicos têm sido sempre um motivo de muita preocupação, devido aos riscos daí decorrentes.

Não bastasse isso, em 09 de setembro de 2020, as autoridades antitruste francesas concluíram uma investigação iniciada em 2014 e decidiram multar a gigante suíça Roche em US$ 71 milhões e a gigante suíça Novartis em US$ 455 milhões, totalizando US$ 526 milhões ou € 444 milhões, em virtude de erros cometidos por ambas as empresas no marketing do medicamento Lucentis, utilizado por pacientes com degeneração macular relacionada à idade (DMRI = AMD – Age-Related Macular Degeneration), que teriam sido considerados práticas abusivas destinadas a preservar o monopólio do respectivo medicamento.

Lucentis é um medicamento desenvolvido pela Genentech, subsidiária da Roche, para combate à DMRI, doença que pode levar à cegueira e foi feito um acordo comercial com a Novartis para a sua comercialização no mundo. Assim, ficou acordado entre as empresas que a Roche comercializaria o medicamento nos Estados Unidos da América, enquanto a Novartis comercializaria o medicamento nos países europeus.

A referida investigação iniciou-se a partir de denúncias ocorridas entre 2008 e 2013, quando, então, Lucentis era o único medicamento utilizado para tratamento da DMRI e comercializado pela Novartis em toda a Europa.

Entretanto, os médicos concluíram que o medicamento Avastin, apesar de originalmente pesquisado e comercializado para o tratamento do câncer e coincidentemente criado e produzido pela Genentech, e comercializado pela Roche, também era eficiente no tratamento da DMRI, em uma indicação off label com um detalhe: custo 30 vezes inferior ao custo do Lucentis, o que acabou motivando autoridades regulatórias de muitos países a fomentar projetos de pesquisa para comprovar a eficácia de Avastin no tratamento da DMRI e, assim, poder reduzir seus custos.

Curiosamente, indústrias farmacêuticas são severamente penalizadas se promoverem o uso off label de algum de seus produtos, ou seja, qualquer uso que não conste na bula aprovada do produto pela autoridade regulatória do país. Nesse caso, ocorreu paradoxalmente algo inverso, ou seja, ambas as empresas foram acusadas de desencorajar os oftalmologistas de prescrever Avastin para o tratamento da DMRI, em uma indicação off label, enfatizando-se supostamente de forma exagerada quanto aos riscos associados a essa utilização. O ápice das denúncias, segundo a investigação, ocorreu ao haver a recusa de fornecimento de amostras de Avastin para autoridades de saúde que queriam fazer estudos clínicos.

Segundo, ainda, as autoridades antitruste francesas, Avastin chegou a ter prescrição para 15% dos tratamentos da DMRI, mas tal fatia de mercado despencou supostamente com a estratégia empreendida por ambas as farmacêuticas.

Segundo a presidente do órgão francês, Isabelle de Silva, ambas as empresas se opõem até o presente momento à acusação de terem violado normas vigentes que defendem a livre concorrência e foram acusadas também de não cooperar com as investigações, finalizando com a claudicante assertiva de que não está afastada a hipótese do Estado intentar uma ação de indenização, além das penalidades.

Esse é, com efeito, um caso muito peculiar, considerando a curiosa concorrência de um produto do mesmo grupo empresarial. Além disso, procura-se penalizar duas empresas que procuraram evitar a promoção off label de um produto e, ao contrário, buscaram demonstrar os potenciais riscos, sob a ótica legal e regulatória. A despeito da questão financeira, não parece ser competência das autoridades antitruste francesas atestar a veracidade ou não do perfil de segurança do produto na utilização para o tratamento da DMRI, sendo essa uma atribuição da autoridade regulatória. Portanto, a questão de serem ou não abusivas as práticas atribuídas (suposto exagero no alerta aos médicos do uso off label de Avastin para tratamento da DMRI), depende muito do conjunto probatório amealhado durante os 6 anos, se for evidenciada a falta de sustentação científica para tal iniciativa.

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