30.09.2022 – Falar de morte, é sempre algo que desperta muita controvérsia e temor por parte de alguns, pois todos sabemos que a única certeza da vida, é a morte, que chegará algum dia, mas que ninguém em sã consciência deseja que isso aconteça. Obviamente, existem aqueles que desejam ceifar a própria vida, mas certamente em estado depressivo agudo, sob alguma grave perturbação mental ou diante de estado de sofrimento agudo e irreversível.

Não obstante, para falarmos de vida e morte, segundo o direito e a ética, é preciso conceituar as acepções desses dois últimos. Enquanto o direito representa uma ciência social que estabelece normas coercitivas que estabelecem as garantias e os limites aplicáveis a cada cidadão, a ética representa uma ciência social que lida com o comportamento e os valores morais do ser humano. Essas definições vão ajudar em visões distintas, de acordo com a situação, quando a morte de alguém pode ser legal, mas não ética ou vice-versa, ou, ainda, a morte pode ser legal e ética, ou nem legal, nem ética.

Segundo a constituição brasileira, o direito à vida é o principal direito fundamental, embora não seja um direito absoluto, ou seja, ele comporta exceções, que permitem ceifar a vida de alguém em situações excepcionais, como, por exemplo, no caso do aborto em razão de abuso sexual, risco de morte para a mulher ou feto anencéfalo; ou, ainda, no caso de pena de morte, em tempo de guerra.

Ainda segundo o direito, existem as chamadas excludentes de ilicitude, quando apesar de ser causada a morte de alguém, o autor do ato isenta-se de pena, em razão de legítima defesa (ex: alguém que mata um agressor para evitar ato de agressão a si ou a terceiro), estado de necessidade (ex: alguém que pratica um fato criminoso para salvar-se de perigo iminente a que não tenha dado causa), estrito cumprimento do dever legal (ex: médico que amputa a perna gangrenada de um paciente para evitar a sua morte por septicemia) e exercício regular de um direito (ex: cidadão comum que mantém ladrão em cárcere privado ou mediante constrangimento ilegal, até que a autoridade policial chegue).

Por outro lado, ao examinar a questão sob a ótica da ética, é preciso considerar 2 questões fundamentais, sendo que a primeira delas diz respeito às duas teorias filosóficas predominantes, denominadas teoria consequencialista, na qual o foco é o atingimento do bem estar comum, como resultado; ou a teoria deontológica, na qual o foco reside nos processos para o atingimento dos resultados. A segunda delas diz respeito às variáveis (ex: cultura, costumes, religião, etc…) que impactam os valores morais, seja no âmbito do tempo ou no âmbito do espaço. Logo, o que pode ser considerado moralmente aceito aqui, pode não sê-lo lá, ou, ainda, o que é moralmente aceito hoje, pode não sê-lo daqui a 100 anos.

Dito isso, é possível entender o quão complexa pode se tornar uma análise, sob o aspecto ético, se for utilizada a teoria consequencialista ou a teoria deontológica.

E a presente discussão torna-se ainda mais complexa, quando o assunto é o fim da vida por si mesmo, ou seja, alguém que pretende acabar com a sua existência terrena. Aliás, aqueles que desejarem se aprofundar no tema, devem ler o artigo “Eutanásia, Ortotanásia, Distanásia, Mistanásia e Suicídio Assistido… o Fim da Vida!

Para ilustrar a questão, vamos citar um caso real que chocou a Itália e o mundo, em 2017. Trata-se do drama vivido pelo DJ Fabiano Antoniani, conhecido como DJ Fabo, que estourou nas paradas de sucesso em 2013 com o hit dançante “Where I Stand”. Fabo era um um jovem bonito, talentoso, tinha uma linda namorada e começava a ganhar fama e notoriedade no mundo da música em âmbito mundial. Em 2014, entretanto, Fabo sofreu um grave acidente automobilístico e ficou cego e tetraplégico. Fabo respirava, desde então, com a ajuda de aparelhos e sofria com dores insuportáveis. A medicina nada mais podia fazer por ele.

Fabo, então, começou a pedir para que terminassem com o sofrimento dele, pois ele não suportava mais tanto sofrimento, sem qualquer esperança de melhora ou de reversão do seu quadro caótico de saúde. Começou, então, uma enorme discussão em toda a Itália, mas especialmente no Parlamento Italiano, sobre a legalidade ou não de acabar com a vida de alguém a seu pedido, já que a Itália não permitia eutanásia, suicídio assistido ou qualquer outra forma de término da vida de alguém, ainda que a seu pedido.

Enquanto políticos discutiam a questão sob a ótica do direito italiano e sob prismas éticos, Fabo implorava pelo direito de poder terminar o seu sofrimento, pois não suportava mais viver sob aquele sofrimento. E foi com a ajuda de um ex-parlamentar e ativista Marco Capatto, que Fabo conseguiu ser levado até a Suíça, onde veio a falecer em 27 de fevereiro de 2017, em uma clínica que praticava o suicídio assistido; prática permitida naquele país.

Esse caso foi emblemático e de grande repercussão. E ele nos serve, como exemplo, para analisar a questão do fim da vida, sob a ótica do direito e da ética. Sob a ótica do direito, faremos a nossa análise sob o direito brasileiro, supondo que Fabo aqui estivesse. Fabo enfrentaria drama semelhante ao enfrentado na Itália, pois o Brasil não legalizou a eutanásia, mas poderia contar com a ortotanásia, já que, por meio da Resolução 1.805/2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) possibilitou que o médico limitasse ou suspendesse “procedimentos e tratamentos que prolongassem a vida do doente em fase terminal”, garantindo condições para reduzir seu sofrimento, mas deixando que o seu organismo fosse o único a determinar o quão extensa seria a sua vida.

Já sob a ótica da ética, as exegeses poderiam ser igualmente diversas, dependendo das variáveis que impactassem os valores morais daquele que iria interpretar o caso. Dessa forma, aquele impactado pela religião, possivelmente seria terminantemente contra, alegando que ninguém tem o direito de ceifar uma vida que foi criada por Deus. Outro impactado por outras variáveis poderia ter interpretação diametralmente oposta, considerando o término da vida de Fabo como um ato de bondade para terminar o seu sofrimento. Visões distintas, mas igualmente sustentáveis do ponto de vista filosófico.

Ao analisar uma questão tão controversa como essa, talvez o melhor fosse o leitor colocar-se no lugar de Fabo, sobre uma cama, cego, tetraplégico, respirando por aparelhos e sentindo dores intensas durante cada minuto de suas 24 horas diárias. Assim, possivelmente seria mais fácil decidir sobre legalidade e moralidade…

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