
06.10.2023 – Quatro médicos saíram do Estado de São Paulo para atender a um congresso médico de ortopedia, sediado em um hotel na badalada praia da Barra da Tijuca, um dos locais mais atraentes da cidade símbolo das belezas naturais do Brasil, ou seja, o Rio de Janeiro.
No começo da madrugada de 05.10.2023, os referidos profissionais que decidiram confraternizar em um quiosque, dentre os tantos existentes na orla marítima do Rio, quando foram surpreendidos por um carro que estacionou próximo do quiosque, saltando dele um grupo de matadores armados que passaram a fuzilar o grupo de amigos, sem qualquer chance de reação ou defesa.
Tal cena lembrou cenas do filme “O Poderoso Chefão”, considerando a brutalidade e o local privilegiado onde ocorreu a tragédia. O evento causou uma comoção generalizada em todo o país, especialmente porque expôs a ferida da segurança pública, ou melhor da insegurança pública, que atinge indivíduos sem qualquer vinculação com crimes e locais onde a presença do Estado jamais poderia permitir algo semelhante.
Infelizmente, pessoas acabaram virando números em todo o país, apesar de, com efeito, ocorrerem endemias localizadas em algumas cidades, como, no Rio de Janeiro e, mais recentemente, em Salvador. Todos os dias, a sociedade é arrebatada por notícias de mortes por balas perdidas, assassinatos, feminicídios, etc… trata-se de uma verdadeira banalização da violência.
Voltando ao caso exposto acima e as diferentes linhas de investigação, foram localizados os corpos de quatro indivíduos que supostamente fariam parte de uma organização criminosa e que teriam pago com a própria vida por terem confundido um dos médicos com um líder de uma das milícias existentes no Rio de Janeiro e, assim, decidido fuzilar todo o grupo. Convém salientar que apenas um dos médicos sobreviveu, mesmo sendo alvejado por seis tiros. Além disso, não é segredo para ninguém os confrontos e até mesmo as alianças entre organizações criminosas e as próprias milícias, no Rio de Janeiro.
Independentemente da motivação, já que supostamente ocorreu a existência de erro de tipo quanto à pessoa, previsto no Art. 20, § 3º Código Penal Brasileiro, o propósito desse artigo é discutir se estamos falando de um ato de homicídio qualificado com concurso material de crimes ou se estamos falando de um verdadeiro ato de terrorismo. É bem verdade que a tese do erro de tipo quanto à pessoa terá que ser investigada pelas autoridades policiais envolvidas no caso.
Enquadrando a presente questão na seara do homicídio qualificado, seja por meio que possa resultar perigo comum, ou seja com a utilização de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, o Art. 121, § 2º, III e IV do Código Penal, houve também o concurso material de crimes previsto no Art. 69 do Código Penal, já que os exterminadores atiraram e contribuíram para o homicídio de três dos médicos e a tentativa de homicídio do quarto médico. Em razão do concurso material de crimes, as penas privativas de liberdade de cada um dos homicídios são aplicadas cumulativamente, ou seja, são somadas. Se, com efeito os corpos encontrados foram dos reais autores do delito, não haveria o que fazer sob a ótica penal, pois a responsabilidade penal dos exterminadores é individualizada e não atribuível a terceiros, e seria extinta com a sua morte.
Porém, um detalhe muito importante para suscitar um importante debate é o delito tipificado de terrorismo; aliás, praticamente inutilizado no Brasil. De forma diametralmente oposta, comparativamente, nos Estados Unidos esse delito é uma prerrogativa da segurança pública, especialmente considerando a lei de segurança nacional.
Terrorismo é citado no Art. 5º, XLIII da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, considerado inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Porém, poucos sabem que o Brasil regulamentou o delito de terrorismo em 2016, ao sancionar a Lei 13.260/2016, inclusive reformulando o conceito de organização terrorista.
Esta lei, portanto, definiu terrorismo em seu Art. 2º como a prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Além disso, dentre os atos considerados terroristas elencados no artigo acima citado, encontra-se o ato de “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”.
Considerando a existência de organizações criminosas em praticamente todos os Estados brasileiros, e o terror social que resulta das suas ações, não há razão acerca do porquê não se considerar a tipificação do terrorismo para atos como esse que vitimaram os quatro médicos.
Por outro lado, impende considerar uma questão importante e que acaba contaminando como um verdadeiro câncer as leis brasileiras, ou seja, a aplicação das leis e a impunidade.
Enquanto o homicídio qualificado é apenado com um pena de reclusão de doze a trinta anos, o terrorismo é também apenado com uma pena de reclusão de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Ambos os delitos são apenados com pena máxima de trinta anos. Mas por que? Porque o Art. 75 do Código Penal previa até 2019 uma pena privativa de liberdade máxima de trinta anos. Entretanto, em 2019, foi sancionada a Lei 13.964/2019, que elevou a pena privativa de liberdade máxima para quarenta anos.
É importante considerar que a própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XLVII, proíbe a criação de penas de morte ou de caráter perpétuo, sendo o artigo quinto, que trata dos direitos fundamentais do cidadão, considerado como uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada para prejudicar direitos já garantidos pelo texto constitucional.
Na opinião do autor desse texto, existe um claro descompasso entre as penalidades atribuíveis a um homicídio e a um ato terrorista, em que as consequências desse último vão muito além de um ou mais homicídios propriamente ditos, já que atingem toda a sociedade com o terror social que resulta de tais atos. Exatamente o que aconteceu nesse nefasto e infeliz episódio envolvendo os quatro médicos, que se, confirmada a tese do erro de tipo quanto à pessoa, foram brutalmente confundidos e pagaram com o seu bem maior, as suas vidas.
Com a palavra, o nosso Congresso Nacional…
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