27.07.2021 – Não é de hoje que se coloca em cheque o potencial conflito de interesses na interação da indústria farmacêutica com profissionais de saúde, especialmente os médicos.

Diferentemente de outros mercados em que empresas vendem seus produtos diretamente para consumidores, o mercado farmacêutico destina-se a prover medicamentos a pacientes, mas quem indica ao paciente que medicamento deve o mesmo comprar, é o médico, por meio de sua prescrição. Dessa forma, é preciso ponderar até que ponto quaisquer transferências de valor da indústria para o médico possam caracterizar alguma influência indevida para resultar em aumento de prescrição por parte do profissional da medicina em favor da empresa, sem que a razão seja única e exclusivamente a busca do melhor tratamento para o seu paciente. É importante salientar que com a criação de novas drogas e com a proliferação de indústrias farmacêuticas, especialmente aquelas fabricantes de medicamentos genéricos e similares, passou a existir um amplo arsenal de medicamentos à disposição do médico, cujos padrões de eficácia e segurança são muito semelhantes e a sua escolha acaba podendo recair sobre diversas alternativas.

As transferências de valor aqui citadas podem ser caracterizadas tanto por honorários, em decorrência da remuneração por serviços prestados pelo profissional de saúde, como também por pagamentos de passagens aéreas, hoteis, refeições, registros em congressos, preceptorias (quando o profissional de saúde é encaminhado para uma instituição de saúde, durante um prazo específico, com o propósito de receber um treinamento específico), etc.

Ciente do fato, os Estados Unidos tomaram a liderança de aprovar uma lei em 2010, chamada de Physician Payments Sunshine Act, com o propósito de obrigar as indústrias farmacêuticas a reportar anualmente ao Governo norte-americano as transferências de valor a profissionais de saúde e a hospitais-escolas. Essa captura de transferências de valor para profissionais de saúde é também denominada como “transparência”. A razão desse reporte é dar transparência ao cidadão tomador de serviços de saúde, quanto o profissional de saúde ou o hospital-escola que irá lhe prestar o serviço recebeu de indústrias farmacêuticas e quais foram essas indústrias.

Na verdade, os Estados Unidos deram o ponta-pé inicial por meio de uma lei, sendo seguido por outros países, conforme a imagem abaixo:

É importante salientar, que uma boa parte dos países acabou por estabelecer normas de “transparência”, mas não por meio de adoção de leis e sim por meio de autorregulamentação, como foi o caso da União Europeia em 2013, quando a European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) lançou o seu Disclosure Code obrigando às suas associadas que capturassem os pagamentos a profissionais de saúde, a fim de publicá-los em uma home page específica para tal fim.

Dessa forma, dos países acima citados temos aqueles países com regras sobre “transparência” baseadas em lei e aqueles países com regras sobre “transparência” baseadas em autorregulamentação:

PAÍSES COM LEIPAÍSES COM AUTORREGULAMENTAÇÃO
1. Estados Unidos – Physician Payments Sunshine Act1. Austrália – Medicines Australia Code of Conduct
2. França – Loi Bertrand2.. Japão – JPMA Transparency Guideline and Disc. Code
3. Eslováquia – Slovak Transparency Act3. Reino Unido – PCMPA / ABPI Code
4. Portugal – Dec.-Lei 20/20134. Holanda – CGR Transparency Code
5. Grécia – Lei 4,316/20145. União Europeia – Disclosure Code
6. Dinamarca – Danish Sunshine Act6. Itália – Codice Deontologico di Farmaindustria
7. Letônia – Latvian Sunshine Act7. Espanha – Código de Buenas Práticas de Farmaindustria
8. Romênia – Order of Ministry of Health 194/20158. Bósnia Herzegovina – Local Code of Conduct
9. Bélgica – Belgian Sunshine Act
10. Indonésia – Sponsorship for Healthcare Prof: Reg. 58
11. Canadá – Health Sector Payment Transparency Act
12. Coréia do Sul – South Korean Sunshine Act
13. Filipinas – Administrative Order n. 2015-0053
14. Arábia Saudita – Pharma. Company Paym. and Disc. Init.
15. Colômbia – Resolución 2881 – 2018

No Brasil, quem tomou a iniciativa foi o Estado de Minas Gerais, que aprovou duas leis estaduais determinando a captura de transferências de valor para profissionais de saúde e também em decorrência de patrocínios em eventos científicos, a fim de informar anualmente a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, a fim de que a mesma exibisse tais transferências de valor em uma home page específica, a fim de dar transparência ao cidadão sobre potenciais conflitos de interesse:

  1. Lei de Transparência do Estado de MG – Profissionais de Saúde (Lei 22.440/2016).
  2. Lei de Transparência do Estado de MG – Patrocínios (Lei 22.921/2018).

Independente da lei mineira, existem 4 projetos de lei (7990/17, 11050/18, 11177/18 e 204/19) tramitando no Congresso Nacional, que pretendem estender tal obrigação para todo o Brasil.

Por fim, é bom salientar que os Estados Unidos novamente inovaram em relação ao tema estabelecendo normas para a transparência de preços de medicamentos; tema que será objeto de um novo artigo em futuro breve.

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